quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Por que Deus não cura amputados?



Resposta: Algumas pessoas usam esta pergunta na tentative de “desaprovar’ a existência de Deus. De fato, existe um website popular e anti-cristão dedicado ao argumento “por que Deus não cura amputados?”: http://www.whywontgodhealamputees.com. Se Deus é todo-poderosos e se Jesus prometeu fazer todas as coisas que pedimos, então por que Deus nunca cura amputados quando nós oramos por eles? Por que Deus cura vítimas de câncer e diabetes, por exemplo, mas ainda assim ele não faz com que o membro amputado seja regenerado? O fato que um amputado permanece amputado é “prova” para alguns de que Deus não existe, que a oração é inútil e que as tão-chamadas curas são coincidência e que a religião é um mito.

O argumento acima, geralmente, é apresentado de uma maneira pensativa, bem fundamentada com uma pitada liberal das Escrituras, para fazê-lo parecer mais legítimo. No entanto, é um argumento baseado em uma visão errada de Deus e uma deturpação das Escrituras. A linha de raciocínio empregada no argumento “por que Deus não cura amputados” supõe, pelo menos, sete premissas falsas:

Premissa 1: Deus nunca curou um amputado. Quem disse que na história do mundo, Deus nunca causou a regeneração de um membro? Dizer “eu não tenho evidência empírica de que membros possam ser regenerados; portanto, nenhum amputado jamais foi curado na história do mundo” é o mesmo que dizer “eu não tenho nenhuma evidência de que os coelhos vivem em meu quintal; portanto, nenhum coelho jamais viveu sobre neste quintal na história do mundo”. É uma conclusão que simplesmente não pode ser formada. Além disso, temos registros históricos de que Jesus curou leprosos, alguns de quem podemos presumir que tiveram perdidos dedos ou características faciais. Em cada caso, os leprosos eram completamente restaurados (Mc 1. 40 – 42; Lc 17. 12 – 14). Além disso, há o caso do homem com a mão atrofiada (Mat 12.9 – 13); e a restauração da orelha decepada de Malco (Lc 22. 50, 51); para não mencionar o fato de que Jesus ressuscitou os mortos (Mt 11.5; Jo 11), o que seria inegavelmente mais difícil que curar um amputado.

Premissa 2: a bondade e o amor de Deus requerem Dele a cura de todos. Doenças, sofrimento e dores são resultados de nosso viver em um mundo amaldiçoado – amaldiçoado por causa de nossos pecados (Gen 3. 16 – 19; Rom 8. 20 – 22). A bondade e o amor de Deus o levou a nos dar um Salvador para nos redimir da maldição (1 Jo 4. 9, 10), mas nossa redenção final não será realizada até que Deus tenha dado um ponto final no pecado no mundo. Até aquele tempo, nós estaremos sujeitos à morte física.

Se o amor de Deus requer que Ele cure todas as doenças e enfermidades, então ninguém morreria – porque o “amor” manteria todos em perfeita saúde. A definição bíblica de amor é “um sacrifício que busca o que é melhor para o ser amado”. O que é melhor para nós não é sempre a integridade de nossa saúde física. O Apóstolo Paulo orou para ter o seu “espinho da carne” removido, mas Deus disse-lhe “não” por que Ele queria que Paulo entendesse que não precisaria ser plenamente saudável para experimentar a graça sustentadora de Deus. Através desta experiência, Paulo cresceu em humildade e no entendimento da misericórdia e poder de Deus (2 Co 12.7 – 10)

O testemunho de Joni Eareckson Tada fornece um exemplo moderno do que Deus pode fazer por meio da tragédia física. Quando adolescente, Joni sofreu uma acidente de mergulho que a deixou tetraplégica. Em seu livro Joni, ela relata como, muitas vezes, ela foi visitada por “curadores da fé” e oravam desesperadamente pela saúde que nunca chegava. Finalmente, ela aceitou sua condição como vontade de Deus, e ela escreveu: “quanto mais eu penso nisso, mais eu estou convencida de que Deus não quer todo mundo saudável. Ele usa nossos problemas para Sua glória e nosso bem”(p. 190)

Premissa 3: Deus ainda realize milagres hoje, assim como ele fez no passado. Nos milhares de anos de história coberta pela Bíblia, nós encontramos quatro períodos curtos nos quais os milagres foram amplamente executados (o período do Êxodo; o período dos Profetas Elias e Eliseu; o Ministério de Jesus; e o período dos Apóstolos). Ainda que os milagres ocorressem através da Bíblia, foi apenas durante estes quatro períodos que os milagres eram “comuns”

O período dos Apóstolos terminou com o escrito do Apocalipse e a morte de João. Isto significa que agora, uma vez mais, os milagres são raros. Qualquer ministério que reivindique ser conduzido por uma nova geração de apóstolos ou reivindique possuir a capacidade de curar, está enganando as pessoas. Os “Curandeiros” apostam na emoção e usam o poder da sugestão para produzir “curas” inverificáveis. Isto não quer dizer que Deus não cure pessoas hoje – cremos que Ele o faça – mas não em números ou modos que algumas pessoas declaram.

Voltemo-nos, novamente, para a história de Joni Eareckson Tada, que naquele tempo procurou ajuda dos “pais da fé”. Sobre o tema dos milagres nos dias de hoje, ela disse: “o relacionamento do homem com Deus em nossos dias e cultura é baseada em Sua Palavra em vez de ‘sinais e maravilhas’”(op. cit. 190). Sua graça é suficiente e sua Palavra é certa.

Premissa 4: Deus é obrigado a dizer ‘sim’ para qualquer oração oferecida da fé. Jesus disse: “Eu vou para meu Pai. E tudo quanto pedirdes em meu nome eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. Se pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei”(João 14. 12 – 14). Alguns tentaram interpretar esta passagem como uma carata branca da parte de Jesus prometendo a Sua anuência com tudo o que pedimos. Mas isto é má interpretação da intenção de Jesus. Observe, em primeiro lugar, que Jesus está falando para seus Apóstolos e a promessa é para eles. Depois da ascensão de Jesus, aos Apóstolos foi dado poder para realizar milagres como pregar o evangelho (At 5. 12). Em segundo lugar, Jesus usa a frase “em meu nome” duas vezes. Isto indica a base para a oração dos Apóstolos, mas também implica que tudo o que oravam deveria estar em concordância com a vontade de Jesus. Uma oração egoísta, por exemplo, ou uma oração motivada por ganância, não pode ser dita que foi orada em nome de Jesus.

Nós oramos em fé, mas fé significa que nós confiamos em Deus. Nós confiamos Nele para fazer o que é melhor e Ele sabe o que é melhor. Quando consideramos todo o ensinamento da Bíblia sobre oração (não apenas a promessa dada aos Apóstolos), aprendemos que Deus pode exercitar Seu poder em resposta a nossa oração, ou Ele pode surpreender com um curso de ação diferente. Em Sua sabedoria, Ele sempre faz o que é melhor (Rom 8.28).

Premissa 5: a cura futura de Deus (na ressurreição) não pode compensar o sofrimento terreno. A verdade é que “as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada”(Rom 8. 18). Quando um crente perde um membro, ele tem a promessa de Deus de uma plenitude futura e a “fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem.”(Heb 11.4)(sic). Jesus disse: “melhor te é entrar na vida coxo, ou aleijado, do que, tendo duas mãos ou dois pés, seres lançado no fogo eterno(Mat 18.8). Suas palavras confirmam a relativa falta de importância de nossa condição física neste mundo, quando comparada com nosso estado eterno. Entrar aleijado na vida eterna (e então ser completamente curado) é infinitamente melhor do que entrar inteiro no inferno (para sofrer a eternidade)

Premissa 6: O Plano de Deus está sujeito à aprovação do homem. Uma das alegações do argumento “por que Deus não cura amputados” é que Deus simplesmente não “honra” os amputados. No entanto, a Escritura deixa claro que Deus é perfeitamente justo (Sal 11.7; 2 Tes 1. 5, 6) e em Sua soberania não presta contas a ninguém (Rom 9. 20, 21). Um crente tem fé na bondade de Deus mesmo quando as circunstâncias tornam difícil e a razão parece hesitar.

Premissa 7: Deus não existe. Esta é a pressuposição subjacente a que todo o argumento “por que Deus não cura amputados” é fundamentada. Aqueles que defendem o “por que Deus não cura amputados” começam com a pressuposição de que Deus não existe e, então, avançam para reforçar suas ideias da melhor maneira possível. Para eles, “religião é um mito” é uma conclusão apressada, apresentada como uma dedução lógica, mas que é, na realidade, fundamental para o argumento.

Em certo sentido, a questão do por que Deus não cura amputado é uma questão do tipo “pegadinha”, comparável a “Deus pode fazer uma pedra tão grande que ele não possa levantar?” e não se destina a buscar a verdade, mas desacreditar a fé. Em outro sentido, pode ser uma pergunta válida com uma resposta bíblica. Essa resposta, em suma, deveria ser alguma coisa do tipo: “Deus pode curar amputados e curará todos deles que confiam em Cristo Jesus como salvador. A cura virá, não como resultado de nossas exigências agora, mas no tempo próprio de Deus, possivelmente nesta vida, mas definitivamente no paraíso. Até aquele tempo, nós caminharemos por fé, confiando no Deus que nos redimiu em Cristo e nos prometeu a ressurreição do corpo”.

Um testemunho pessoal:

Nosso primeiro filho nasceu faltando ossos nas pernas e nos pés. Seus pés tinham apenas dois dedos. Dois dias depois de seu primeiro aniversário, ele teve os pés amputados. Estamos pensando em adotar uma criança chinesa que teve problemas semelhantes e precisou de cirurgia. Sinto que Deus escolheu-me para ser uma mãe muito especial para estas crianças especiais, e eu não tinha ideia até ver o tópico sobre por que Deus não curar amputados, que as pessoas usaram isso como uma razão para duvidar da existência de Deus. Como mãe de uma criança que não tem os pés e uma mãe em potencial de outra criança que também em estado semelhante, eu nunca vi por aquela perspectiva. Pelo contrário, tenho viso Deus me chamando para ser uma mãe especial para ensinar outros sobre as bênçãos de Deus. Ele também tem me chamado para dar a estas crianças a oportunidade de serem inseridas em uma família cristã que vai ensiná-las as amar ao Senhor de um modo especial e entender que podemos suportar todas as coisas por meio de Cristo Jesus. Alguns podem achar que isto seja um obstáculo; nós achamos que seja uma experiência de aprendizado e desafio; nós agradecemos a Deus por Ele nos dar a algumas pessoas o conhecimento para realizar o necessário e fazer próteses que permitam o meu filho e, esperançosamente o próximo filho, a serem capazes de andar, correr, pular e viver para glorificar a Deus em todas as coisas. “E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.”(Rom 8.28)

Fonte: http://profgaspardesouza.blogspot.com/2010/07/por-que-deus-nao-cura-amputados.html

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O propósito de Deus na permissão da dificuldade



Joni Eareckson Tada diz que o cristão precisa entender o propósito de Deus nas dificuldades.

Joni Eareckson Tada ficou mundialmente conhecida nos anos 1970 como ativista em luta permanente pelos direitos e pela qualidade de vida das pessoas portadoras de deficiência física. À frente do ministério Joni e Amigos, surgido após drama pessoal – na adolescência, um mergulho imprudente em águas rasas deixou-a tetraplégica –, ela percorre o mundo em sua cadeira de rodas, oferecendo esperança e muito mais a gente que, como ela, tem de atravessar a vida sofrendo com sérias limitações. Até hoje, sua instituição já distribuiu mais de 50 mil cadeiras de rodas, além de aparelhos ortopédicos, próteses e todo tipo de auxílio a deficientes físicos, sobretudo nos países mais pobres. Além, é claro, da palavra de esperança e salvação do Evangelho, mensagem de que Joni nunca abriu mão de anunciar.

Autora do livro testemunhal Joni, uma histeria inesquecível, sucesso em todo o mundo, ela tem sido vista como exemplo de superação e fé. Só que agora um novo drama se abateu sobre a vida dessa frágil mulher de 60 anos: o diagnóstico recente de um câncer de mama. A doença veio se somar a uma dor crônica que a vem atormentando há uns dez anos. Parecendo otimista e confiante após uma cirurgia oncológica, ela rejeita comparações com Jó, ícone do sofrimento na Bíblia, mas admite que, por vezes, não sabe o que pensar acerca de um Deus que, conforme a crença evangélica, tem poder para curar todas as enfermidades do corpo e da alma. “Qualquer cristão luta para entender o propósito de Deus na dificuldade”, diz. “Lembro sempre da passagem de I Pedro 2.21: ‘Para isso vocês foram chamados, pois também Cristo sofreu no lugar de vocês, deixando-lhes exemplo, para que sigam os seus passos.’”

Joni falou com CRISTIANISMO HOJE sobre seu livro mais recente, A place of healing: Wrestling with the mysteries of suffering, pain and God´s sovereignty (ainda inédito em português, a tradução literal do título é “Um lugar de cura: Lutando com os mistérios do sofrimento, da dor e da soberania de Deus”), da editora David C. Cook. Longe de ser um memorial de lamúrias, a obra descreve sua teologia do sofrimento.



CRISTIANISMO HOJE – O quanto sua perspectiva sobre sofrimento e cura mudou desde o diagnóstico do câncer?

JONI TADA – Felizmente, não mudou de forma alguma. Diante de situações assim, você examina a Escritura novamente e segue todas as passagens referentes à cura. Fiz isso com a minha quadriplegia, há mais de 40 anos, e de novo dez anos atrás, quando passei a experimentar uma dor crônica. Há um mês, ao receber o diagnóstico de câncer de mama, olhei para esses mesmos textos da Escritura, e as palavras de Deus não mudam. Embora a impressão seja a de que muita coisa tenha sido acumulada, continuo pensando em I Pedro 2.21: “Para isso vocês foram chamados, pois também Cristo sofreu no lugar de vocês, deixando-lhes exemplo, para que sigam os seus passos.” Esses passos, na maioria das vezes, conduzem os cristãos não a intervenções miraculosas ou divinas, e sim, diretamente à comunhão do sofrimento. É um bom princípio básico para qualquer cristão que luta para entender o propósito de Deus na dificuldade.

E a relação com Deus, como fica?

De certo modo, tenho sido atraída para mais perto do Salvador. Há coisas sobre o seu caráter que eu não via. Isso me diz que ainda estou mudando, crescendo, sendo transformada, e me tornando mais como ele. Jesus disse que quem tivesse fé nele, faria coisas ainda maiores do que as que ele fez. Somos inclinados a pensar que Jesus estava falando sobre milagres – mas, não necessariamente. Ele estava oferecendo o Evangelho; estava fazendo avançar o seu Reino; estava reivindicando a terra como sua, por direito. Então, quando fez essa promessa, o Salvador deu a todo crente a capacidade de também fazer isso. É isso o que tenho visto no último mês. É incrível a quantidade de pessoas sedentas por Cristo que tenho encontrado, desde médicos a enfermeiros, e todo o pessoal técnico dos centros médicos onde sou tratada. Eu sei que isso era verdade antes, mas parece haver algo especial acompanhando esse diagnóstico. A todos, tenho falado de confiança no amor de Deus por nós.

Impossível deixar de fazer a pergunta clássica. Na sua opinião, como um Deus bom permite que as pessoas, mesmo as que creem nele de todo coração, sofram tanto?

Quem faz essa pergunta – e eu mesma luto com ela – não está aceitando o fato de que este mundo está comprometido. Vivemos em um mundo caído. Quando não experimentamos o sofrimento, isso é uma exceção. O princípio básico é o de que experimentaremos muito sofrimento, porque vivemos em um mundo que geme sob o peso de uma pesada maldição. Se ser bom, para Deus, significa dar cabo do pecado, então ele teria de dar cabo dos pecadores. Mas o Senhor é um Deus de grande generosidade e enorme misericórdia, de modo que permite o curso do sofrimento. Ele não o detém até que haja mais tempo para amealhar mais pessoas para o aprisco da comunhão de Cristo.

Existem sofrimentos que vêm por causas naturais e outros que são provocados pela ação humana, ou seja, entre as diferentes causas da dor, em muitas delas a vítima nada podia fazer para evitá-las. Que tipo de sofrimento é mais fácil de aceitar?

Sofrimento é dificuldade e pesar. É tudo um pacote só. Sim, Deus poderia evitar o sofrimento. Pode, por exemplo, impedir que um assaltante atire contra a vítima ou evitar o surgimento de um tumor. Se ele escolhe permitir que essas coisas ocorram, isso não quer dizer que seja menos cuidadoso ou compassivo. Sua vontade, seu propósito e seu plano soberano podem ser um pouco mais obscuros e enigmáticos deste lado da eternidade. Quer a dificuldade seja resultado de negligência de quem a enfrenta ou fruto da ação direta de uma outra pessoa, ou, ainda, de uma catástrofe natural, é preciso lembrar que todas essas coisas estão ao alcance da soberania divina. Um olhar mais atento sobre o Novo Testamento mostra que a soberania de Deus se estende sobre todas as coisas – e ele permite todos os tipos de coisas, mesmo aquelas que não aprova. Ele não aprova, por exemplo, minha lesão medular ou o meu câncer, mas em sua soberania ele os permitiu. Não me importo se o termo usado for “deixar”, “permitir” ou “ordenar”. É tudo a mesma coisa. No final das contas, tudo se resume ao fato de que Deus está no controle. Não penso que haja uma diferença prática.

Fonte: Sarah Pulliam Bailey (http://cristianismohoje.com.br/interna.php?subcanal=36)

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Crianças precisam brincar



Há vários anos, vem aumentando o número de estudos e estatísticas sugerindo que a cultura do “brincar” está desaparecendo nos Estados Unidos. As crianças passam tempo demais na frente de uma tela, lamentam os pais e educadores – uma média de 7 horas e 38 minutos por dia, segundo uma pesquisa realizada no ano passado pela Kaiser Family Foundation. Apenas uma em cada cinco crianças mora perto de um parque ou playground, segundo um relatório de 2010 produzido pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças, deixando-as ainda menos inclinadas a brincar ao ar livre.

Por trás dos números está não apenas o comportamento das crianças, mas também o dos adultos: o pai digitando furiosamente em seu Blackberry, estressado demais pelo trabalho para tolerar jogos barulhentos no ambiente. Fins de semana tomados por futebol e outras ligas de esportes, todas organizadas e dirigidas por pais. Toda a lista de aulas – xadrez, natação, inglês, balé – e o dever de casa começando nas séries mais novas. Some a isso todas as preocupações de segurança dos pais, que afetam até mesmo os verdadeiros crentes, como Sarah. “As pessoas têm medo de deixar seus filhos na rua, mesmo onde eu moro”, disse ela. “Se quero que meus filhos saiam de casa, tenho de ir com eles”.

Kathy Hirsh-Pasek, psicóloga desenvolvimentista da Universidade Temple, na Filadélfia, concluiu: “Brincar é simplesmente algo natural para animais e humanos. Mas, de alguma forma, nós retiramos isso das crianças”.

Pouco tempo para brincadeiras parece estar no final da lista de preocupações da sociedade, mas cientistas, psicólogos, educadores e outros entusiastas do “brincar” dizem que a maioria das habilidades sociais e intelectuais necessárias para o sucesso na vida e no trabalho são desenvolvidas inicialmente nas brincadeiras da infância.

Através das brincadeiras, as crianças aprendem a controlar seus impulsos, solucionar problemas, negociar, pensar de maneira criativa e trabalhar em equipe – como quando cavam juntas numa caixa de areia, ou constroem um forte com as almofadas do sofá. Os especialistas definem o “brincar” como um jogo ou atividade iniciado e comandado por crianças. Então, o videogame não conta, segundo eles, exceto talvez por aqueles que envolvem criar algo. Tampouco contam brinquedos “educativos” que fazem coisas como cantar o abecedário quando a criança aperta um botão.

Os entusiastas da atividade estão começando a buscar os pais, reconhecendo que, para o movimento funcionar, as atitudes parentais precisam evoluir – começando com disposição para tolerar um pouco mais de imprevisibilidade na agenda das crianças e um pouco menos de estrutura em casa. Construir aquele forte, por exemplo, provavelmente envolverá desmontar o sofá e esvaziar o armário de roupa de cama – um lençol faz um excelente telhado.

Para tentar abarcar mais pais, uma coalizão chamada “Play for Tomorrow” (“Brincar pelo Amanhã”, em tradução livre) organizou, em outubro passado, um gigantesco dia de brincadeiras no Central Park, em Nova York. O evento, intitulado “The Ultimate Block Party” (“A Melhor Festa de Rua”, em tradução livre), oferecia jogos de adivinhação, montes de massa de modelar, giz, blocos de montar, quebra-cabeças e muito mais. A Fundação Nacional de Ciência foi envolvida no projeto, explicando aos organizadores – e enfatizando para os pais – o valor científico e educacional por trás de cada uma das tarefas selecionadas. Os organizadores esperavam atrair 10 mil pessoas ao evento. Mais de 50 mil compareceram.

“Ficamos extasiados”, disse Roberta Golinkoff, psicóloga desenvolvimentista da Universidade de Delaware e cofundadora do evento, ao lado de Kathy. Agora, as duas estão negociando levar a festa para outras cidades, além de tornar o encontro no Central Park um acontecimento anual. O objetivo, de certo modo, é retornar aos velhos tempos.

“Quando eu estava crescendo, havia uma cultura de infância que era mantida pelas crianças”, disse Jim Hunn, vice-presidente da KaBOOM, uma entidade sem fins lucrativos que comanda a redução do que eles mesmos chamam de “déficit de brincadeiras”. Para reviver essa cultura, segundo ele, “os pais precisam se reafirmar neste processo e ensinar as brincadeiras às crianças. É crucial que os pais tomem uma atitude e saiam para brincar com seus filhos”.

Como brincar

Uma parte importante do movimento está ensinando as próprias crianças como brincar. Uma criança média de 3 anos consegue pegar um iPhone e habilmente rolar pelo menu de aplicativos, mas quantas crianças de 7 anos conseguem organizar um jogo de futebol com os amigos da vizinhança?

Com isso em mente, no evento do Central Park, os pais receberam um “livro de brincadeiras” de 75 páginas, delineando pesquisas sobre o “brincar” e oferecendo sugestões de atividades divertidas – coisas que as gerações passadas faziam sem precisar de estímulo, e que podem evocar, nos pais de hoje, sentimentos de identificação e nostalgia.

“Suba no sofá com seus amigos e finja que está navegando num barco a uma terra distante”, diz uma ideia. Outra, da seção de brincadeiras construtivas: “Coloque um brinquedo no chão e descubra como construir uma ponte passando sobre ele, usando blocos de montar”. “Crie bonecos com recortes de revistas e jornais velhos”, sugere uma terceira, “e deixe sua imaginação voar!”

Fonte:http://delas.ig.com.br/filhos/movimento+busca+recuperar+antigas+brincadeiras+infantis/n1237973214316.html

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

As mulheres da vida de Jesus



Elas protagonizaram passagens que definiram o cristianismo, estiveram com ele nas pregações e não o abandonaram no calvário. Saiba quem foram as representantes do sexo feminino que acompanharam Cristo em toda sua trajetória.

Os homens dominam a história do cristianismo. A começar por Deus, o Pai, onipresente e onipotente, criador e não criadora, passando pelos 12 apóstolos, que não incluíam uma mulher sequer, e culminando com Jesus, Filho e não filha. Curiosamente, porém, são as mulheres que não só participaram, como protagonizaram boa parte dos momentos cruciais da vida de Cristo. Da concepção à crucificação, enquanto homens traíam ou fingiam não conhecer o Messias, elas não se acovardaram diante das dificuldades. Mas quem são essas mulheres e por que elas são importantes? E como, hoje, as cristãs batalham para encontrar mais espaço dentro da Igreja?

Com a leitura dos Evangelhos como relatos simbólicos aliada ao estudo histórico do tempo de Cristo, é possível resgatar o protagonismo de algumas mulheres na vida de Jesus. “Cada época lê os Evangelhos de uma maneira”, resume Stephen Binz, biblista formado pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, e autor do livro “Mulheres nos Evangelhos: Amigas e Discípulas de Jesus”, a ser publicado nos Estados Unidos em janeiro de 2011. “E as verdades e conclusões tiradas do texto derivam da vida e das prioridades de quem o lê.”

A visão feminina do Novo Testamento sempre existiu, mas o estudo sistematizado com vistas às revisões do papel da mulher na vida e no legado de Jesus é mais recente. O que se convencionou chamar de teologia feminista nasceu com os movimentos pelos direitos das mulheres nos anos 60, quase dois mil anos depois da reunião dos textos que compõem a segunda parte da Bíblia. “Prevaleciam, e ainda prevalecem, em muitos lugares interpretações dos textos que justificavam a subjugação da mulher”, conta Yury Puello Orozco, teóloga feminista do departamento de Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Às perguntas que buscavam a justificação da existência do mal, por exemplo, convencionou-se afirmar que a culpa era da mulher, que, na figura de Eva, no Antigo Testamento, cedeu às tentações do diabo e comeu o fruto da árvore proibida. “Se as mulheres eram fracas e sugestionáveis como alguns dizem, por que foram elas as testemunhas de momentos-chave do cristianismo, como a morte e a ressurreição de Cristo?”, questiona Yury. “Os apóstolos, na hora do aperto, foram incrédulos e fugiram, enquanto as mulheres permaneceram ao pé da cruz”, lembra.

Uma das que continuaram lá, firme e forte, foi Maria de Nazaré, a mãe de Jesus, reconhecida como a figura feminina mais importante na vida de Cristo. Não só por estar ali, em um dos momentos de maior aflição do filho que era dela e de Deus, mas por toda sua história ao lado do Messias. “Ela não foi só mãe carnal, foi mãe moral e psicológica”, lembra frei Clodovis Boff, teólogo, filósofo e mariólogo com formação pela Universidade Católica de Leuven, na Bélgica. Segundo Boff, um dos documentos publicados ao final do Concílio Vaticano II (1962-65), o famoso encontro de bispos do mundo inteiro que soprou ventos de modernidade na Igreja, sintetiza bem a natureza excepcional da devoção de Maria. “Diz-se que ela foi uma mulher que peregrinou na penumbra da fé”, afirma o teólogo. Mesmo sem compreender tudo que seu filho dizia e fazia, ela acreditou na palavra de Deus e seguiu dando espaço para que Jesus passasse sua mensagem. “A proposta de Cristo era uma coisa misteriosa, chocou todo mundo e a ela também, mas ainda assim ela o acolheu”, explica.

São muitos os momentos na vida de Nossa Senhora que mostram extrema confiança no projeto divino, mas alguns merecem destaque. Um deles é a anunciação, quando o anjo Gabriel conta a Maria, virgem e noiva de José, que ela conceberia um bebê mantendo-se casta e que esta criança, que deveria se chamar Jesus, reinaria para sempre como Filho do Altíssimo. Diante da grandeza do que foi dito, Maria, embora assustada, aceitou o anúncio como a vontade de Deus e se colocou à disposição do projeto. É difícil imaginar o peso que essa mulher aceitou carregar. Jovem, pobre e prometida em casamento, ela estava grávida em um mundo onde a mulher adúltera – e essa suspeita recaiu sobre ela – era condenada publicamente à morte por apedrejamento. “E ela não assume esse papel como uma testemunha passiva da vontade divina”, lembra Luiz Alexandre Solano Rossi, pós-doutor em teologia e em história antiga. “Maria vive a missão ativamente e trabalha para que ela dê certo.”

Para Rossi, a visita de Maria à prima, também grávida, por intercessão divina, Isabel, no sexto mês de sua gestação, é exemplo claro da disposição da mãe de Cristo em participar do projeto de Deus e não apenas acompanhá-lo como espectadora. “É um prenúncio do protagonismo que ela terá na vida do filho”, afirma. A visita também tem um papel simbólico que fará de Isabel outra mulher importante na vida de Jesus, embora não se saiba se eles se conheceram pessoalmente. Foi no encontro com Maria que Isabel confirmou o projeto de Deus à prima ao anunciá-la como bendita entre as mulheres, além de bendizer o fruto de seu ventre. Para alguns exegetas bíblicos, estudiosos que esmiúçam o que diz o livro sagrado católico, a visita tem forte valor simbólico. Isabel, idosa e estéril, mas grávida de João Batista, representaria o passado que abre caminho e dá as boas-vindas ao novo, que é Maria, jovem e grávida de Jesus. “Entre os tradicionais e partidários mais radicais do judaismo, há quem diga que o Messias, na realidade, seria João Batista e não Jesus, já que o vínculo com o passado judaico do primeiro é mais forte que o do segundo”, afirma Rafael Rodrigues da Silva, professor de teologia da PUC-SP.

As dúvidas sobre o messianismo de Jesus o acompanharam sempre. Já adulto, durante suas peregrinações, Cristo teve de lidar inclusive com a desconfiança de homens de seu círculo mais íntimo. Com as mulheres que também o seguiam, porém, a situação era diferente. Do pouco que se sabe delas, fica claro que viviam a fé de forma plena. “Elas ajudavam a arcar com os custos do ministério de Jesus e a tocá-lo adiante sem questionamentos, o que mostra uma obediência saudável e importante naquele momento”, conta Binz, o biblista. O autor lembra ainda quão estranho devia ser, na época, ver um profeta circulando com um grupo de seguidores que incluía um número razoável de mulheres. Afinal, o gênero feminino, como os estrangeiros, os pobres e os doentes, vivia à margem da sociedade.

Foi esse espírito que fez engrossar a fileira de mulheres conhecidas e desconhecidas que acompanharam Jesus do início de sua peregrinação à crucificação. Os evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas são explícitos quanto à numerosa presença feminina na paixão e ao pé da cruz. A importância delas, aliada ao fato de que muitas não foram identificadas, alimentou uma verdadeira fábrica de lendas sobre o papel que elas tiveram nesses momentos definidores. Uma dessas narrativas conta a história de uma desconhecida que teria enxugado o suor do rosto de Cristo com um pedaço de tecido no caminho do Calvário. O pano teria ficado marcado com as feições de Jesus, antecipando o que aconteceria com o manto mortuário, reconhecido atualmente como Santo Sudário, a principal relíquia católica. Já a tal mulher desconhecida entrou para a história como Santa Verônica, nome atribuído a ela por significar “imagem verdadeira”.

Era de se esperar que o Novo Testamento – cujos principais textos foram redigidos por quatro homens nascidos e criados em uma cultura eminentemente patriarcal – pouco dissesse sobre as personagens que foram decisivas na trajetória de Cristo. Pudera, na dura descrição de Cícero (106 a.C. - 43 a.C.), filósofo e cronista do tempo de Jesus, as mulheres estavam à frente apenas dos animais na estrutura social. Mas, contrariando a lógica de então, os relatos de Mateus, Marcos, Lucas e João, compilados entre os anos 30 d.C. e 80 d.C., dão enorme importância à presença feminina. Especula-se que a proximidade temporal da influência de Jesus – que não fazia distinção entre homens, mulheres, ricos ou pobres –, associada à expectativa real de que o Messias retornaria em breve à terra para julgar os vivos e os mortos, povoasse o imaginário dos redatores dos evangelhos.

Com o passar do tempo, porém, o distanciamento das fontes primárias e a institucionalização da Igreja, o que se viu foi o contínuo afastar da presença feminina da vida e do legado cristão, de modo a espelhar a cultura patriarcal de onde ela veio. Um abandono lento, mas persistente do radicalismo inclusivo pregado por Jesus. “A organização e a hierarquização acabaram com o pluralismo das primeiras comunidades cristãs”, argumenta Silva, da PUC.

Mas o legado feminino deixado pelas mulheres contemporâneas de Jesus tem valor inestimável. Serviu de referência para o corpo de fiéis que começou a se formar nos primórdios do cristianismo e nos últimos dois mil anos teve papel fundamental na criação da identidade católica. O que começou com figuras com Lídia de Tiatira e Tecla de Icônio foi terminar em Madre Teresa de Calcutá, passando por Santa Teresa D’Ávila e Santa Juana Inés de la Cruz. Embora as mulheres ainda não gozem do prestígio e reconhecimento que tinham nos tempos de Cristo, a força das histórias daquelas que viveram a fé de forma plena, por meio de atos e palavras, deixou sua marca e continua estimulando mudanças estruturais. “Em pleno século XXI, temos uma igreja que, no que diz respeito às mulheres, ainda está na Idade Média”, protesta a teóloga feminista Yury Orozco. Vale ressaltar que os protestantes estão muito mais evoluídos neste quesito, com bispas ordenadas, inclusive. Que a luta pelo reconhecimento feminino, que já tem dois mil anos, não precise continuar por mais dois mil anos. Mas, se for esse o caso, não há nenhum sinal de que as mulheres vão esmorecer. E isso é ótimo.


Era de se esperar que o Novo Testamento – cujos principais textos foram redigidos por quatro homens nascidos e criados em uma cultura eminentemente patriarcal – pouco dissesse sobre as personagens que foram decisivas na trajetória de Cristo. Pudera, na dura descrição de Cícero (106 a.C. - 43 a.C.), filósofo e cronista do tempo de Jesus, as mulheres estavam à frente apenas dos animais na estrutura social. Mas, contrariando a lógica de então, os relatos de Mateus, Marcos, Lucas e João, compilados entre os anos 30 d.C. e 80 d.C., dão enorme importância à presença feminina. Especula-se que a proximidade temporal da influência de Jesus – que não fazia distinção entre homens, mulheres, ricos ou pobres –, associada à expectativa real de que o Messias retornaria em breve à terra para julgar os vivos e os mortos, povoasse o imaginário dos redatores dos evangelhos.

Com o passar do tempo, porém, o distanciamento das fontes primárias e a institucionalização da Igreja, o que se viu foi o contínuo afastar da presença feminina da vida e do legado cristão, de modo a espelhar a cultura patriarcal de onde ela veio. Um abandono lento, mas persistente do radicalismo inclusivo pregado por Jesus. “A organização e a hierarquização acabaram com o pluralismo das primeiras comunidades cristãs”, argumenta Silva, da PUC.

Mas o legado feminino deixado pelas mulheres contemporâneas de Jesus tem valor inestimável. Serviu de referência para o corpo de fiéis que começou a se formar nos primórdios do cristianismo e nos últimos dois mil anos teve papel fundamental na criação da identidade católica. O que começou com figuras com Lídia de Tiatira e Tecla de Icônio foi terminar em Madre Teresa de Calcutá, passando por Santa Teresa D’Ávila e Santa Juana Inés de la Cruz. Embora as mulheres ainda não gozem do prestígio e reconhecimento que tinham nos tempos de Cristo, a força das histórias daquelas que viveram a fé de forma plena, por meio de atos e palavras, deixou sua marca e continua estimulando mudanças estruturais. “Em pleno século XXI, temos uma igreja que, no que diz respeito às mulheres, ainda está na Idade Média”, protesta a teóloga feminista Yury Orozco. Vale ressaltar que os protestantes estão muito mais evoluídos neste quesito, com bispas ordenadas, inclusive. Que a luta pelo reconhecimento feminino, que já tem dois mil anos, não precise continuar por mais dois mil anos. Mas, se for esse o caso, não há nenhum sinal de que as mulheres vão esmorecer. E isso é ótimo.

Mas era na margem que Jesus caminhava e foi lá que ele encontrou outra mulher que seria fundamental em sua vida: Maria de Magdala, também conhecida como Maria Madalena. Exorcizada por ele de sete demônios, ela passou a segui-lo e se tornou seu braço-direito no ministério. Jesus deu inúmeras demonstrações de confiança a Maria Madalena – boa parte registrada nos evangelhos canônicos e outra contada nos chamados apócrifos, escritos que datam quase em sua totalidade do século III, mas que não foram incluídos na “Bíblia”. Ela é chamada de apóstola dos apóstolos, por exemplo, e chega a despertar ciúmes nos homens que seguem Cristo. A mais poderosa das demonstrações de confiança do Messias em Madalena, e, por extensão, nas mulheres, foi o fato de tê-la escolhido para ser a primeira testemunha de sua ressurreição, o momento definidor da fé católica. Foi ela quem viu e anunciou aos apóstolos que Jesus havia aparecido a ela ressuscitado.

A predileção de Cristo por Maria Madalena é tamanha que ela semeou especulações de que ambos teriam se envolvido romanticamente. A tese foi explorada, virada e revirada nos últimos dois mil anos e certamente continuará rendendo histórias, como a contada por Dan Brown no best seller “O Código da Vinci”, de 2003. Em certa medida, a recusa em aceitar que não houve romance entre os dois mostra que a natureza da mensagem de amor incondicional não necessariamente romântico de Jesus continua sendo revolucionária e de difícil compreensão. “A figura de Maria Madalena traz uma crítica aos códigos de pureza e mostra, na prática, o quanto a mensagem de amor de Jesus é para todos”, explica o padre Marcio Fabri dos Anjos, doutor em teologia pela Universidade Gregoriana de Roma.

E cada um vive a devoção à sua maneira. A história de outras duas mulheres próximas de Jesus na “Bíblia” é exemplo disso. Marta e Maria, irmãs de Lázaro, têm dois encontros importantes com o Messias. E o primeiro é representativo das diferentes naturezas que a fé pode ter. Nele, as mulheres recebem Jesus, que circulava pela região de Betânia, na casa onde moravam. Ao ver o Messias, Maria abandonou os afazeres domésticos e se sentou aos pés de Cristo para ouvi-lo. Na tradição de então, sentar aos pés de alguém é postura clássica do aluno diante do mestre. Já Marta repreendeu a irmã e Jesus por tê-la deixado sozinha com as obrigações do lar. “Há quem coloque as duas em oposição – uma certa e outra errada”, explica o teólogo Rossi. “Na verdade as atitudes se complementam.” Maria representaria a porção contemplativa da fé, enquanto Marta a prática.

Nem todos, porém, concordam com esse entendimento do episódio. Os defensores do protagonismo de Maria sobre Marta argumentam, por exemplo, que, ao se sentar aos pés de Jesus, ela questiona a função feminina, abandonando as regras que a amarravam aos afazeres domésticos. A outra, alheia à boa nova, continuaria muito ligada às tradições com as quais Jesus pretendia quebrar. Ainda assim, dizem os ardorosos defensores de Marta, sobraria uma função importante para ela. Sendo dela a responsabilidade sobre o lar – e o lar, na igreja primitiva, era onde a fé cristã era praticada clandestinamente –, ela surgiria como a grande autoridade do espaço de fé. “Em última instância, essas mulheres são importantes por que mostram que não existe só um modelo de mulher na nascente comunidade cristã”, lembra Rossi. “Elas têm liberdade para escolher o que querem ser.”

Fonte: Revista ISTO É - Edição 2146 - 29/12/2010

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A importância de planejar o ensino - Ensinador Cristão - Pr. Marcos Tuler



Sem organização, grande parte da eficácia de seu ensino pode ser prejudicada
Alguém já disse que “Prever é a melhor garantia para bem governar o curso futuro dos acontecimentos”; “O plano de ação é o instrumento mais eficaz para o sucesso de um empreendimento.” “Prever é agir”. É o primeiro passo obrigatório de toda ação construtiva e inteligente. Pelo planejamento, o homem evita ser vencido pelas circunstâncias, e aprende a aproveitar as novas oportunidades.

O planejamento é imprescindível em qualquer atividade humana, especialmente no que diz respeito à educação. Nesta área, ele se concretiza num programa de ação que constitui um roteiro seguro para conduzir progressivamente os alunos aos resultados desejados. A responsabilidade do mestre é imensa. Grande parte da eficácia de seu ensino depende da organicidade, coerência e flexibilidade de seu planejamento.

Em relação ao ensino, planejar significa prever de modo inteligente e bem calculado todas as etapas do trabalho escolar e programar racionalmente todas as atividades, de modo seguro, econômico e eficiente. Em outras palavras, planejamento é a aplicação da investigação científica à realidade educacional a fim de melhorar a efi ciência do trabalho de ensino.

I. Características de um bom planejamento de ensino

1. Unidade

No planejamento, é fundamental fazer convergir todas as atividades para a conquista dos objetivos visados; eles são a garantia de unidade da operação docente.

2. Continuidade

Sem planejar o professor corre o risco de perder o fio da meada, dispersando-se e valorizando pontos secundários em detrimento de pontos prioritários da matéria. O professor precisa prever todas as etapas do trabalho em pauta, desde a inicial até afinal.

3. Flexibilidade

Se durante a execução do planejamento, o professor perceber a impossibilidade de cumpri-lo em razão de um imprevisto qualquer, poderá alterá-lo sem problema, desde que não se distancie dos principais objetivos. O plano, mesmo em marcha, pode ser modificado ou reajustado sem quebra de sua unidade e continuidade.

4. Objetividade e realismo

O plano deve ser objetivo e estar baseado nas condições reais e imediatas de local, tempo, recursos, capacidade e preparo de seus alunos. De que adianta planejar a utilização de recursos didáticos de alta tecnologia se na sua Escola Dominical não há possibilidade sequer de ter um quadro-de-giz? Se esse for o caso, o planejamento, baseado na irrealidade, só causará frustração.

5. Precisão e clareza

É preciso caprichar nos enunciados do planejamento. O estilo deve ser sóbrio, claro, preciso, com indicações exatas e sugestões bem concretas para o trabalho a ser realizado. Um planejamento com enunciados mal elaborados, poderá dificultar a tomada de decisão.

II. Etapas do planejamento de ensino

1. Conhecimento da realidade

Para planejar adequadamente a tarefa de ensino e atender às necessidades do aluno, é preciso, antes de mais nada, saber para quem se vai planejar. Por isso, conhecer o aluno e seu ambiente é a primeira etapa do processo de planejamento. É preciso saber quais são suas aspirações, frustrações, necessidades e possibilidades. Este trabalho é conhecido como sondagem, isto é, uma coleta de dados importantes para um perfeito diagnóstico. Uma vez realizada a sondagem e o diagnóstico, deve o professor estudar cuidadosamente todas as informações reunidas a fim de elaborar com segurança sua estratégia de trabalho.

Sem a sondagem e o diagnóstico corre-se o risco de propor o que é impossível, ou o que não interessa ou, ainda, o que já foi alcançado. Eis algumas perguntas úteis ao planejamento de um curso para novos convertidos: Onde você mora? Com quem vive? Como você se relaciona com a comunidade? Qual era a sua religião antes de aceitar a Cristo como Salvador? É a primeira vez que você se decide ao lado do Senhor? Você já foi membro de alguma igreja evangélica antes? Muitas outras informações poderão ainda ser coletadas: histórico familiar, nível sócio-econômico, cultura, valores étnicos, aptidões, necessidades pessoais, limitações físicas etc. Observe o esquema abaixo.

Sondagem + Dados coletados + Diagnóstico = Conhecimento da realidade = Estratégia de Trabalho

2. Elaboração do plano

A partir dos dados fornecidos pela sondagem e interpretados pelo diagnóstico, temos condições de estabelecer o que é possível alcançar, como fazer para alcançar o que julgamos possível e como avaliar os resultados. O planejamento poderá ser elaborado a partir dos seguintes passos:

a) Determinação dos objetivos.
b) Seleção e organização dos conteúdos.
c) Seleção e organização dos procedimentos de ensino.
d) Seleção de recursos.
e) Seleção de procedimentos de avaliação.
f) Estruturação do plano de ensino.

3. Execução do plano

Ao elaborarmos um planejamento, antecipamos, de forma organizada, todas as etapas do trabalho de ensino. A execução do plano consiste no desenvolvimento das atividades previstas. Na execução, sempre haverá o elemento não plenamente previsto. Às vezes, a reação dos alunos ou as circunstâncias do ambiente exigirão adaptações e alterações no plano. Isto é normal e não invalida o planejamento, pois, como já dissemos, uma das características de um bom planejamento é a flexibilidade.

4. Avaliação e aperfeiçoamento do plano

Ao executar o que foi planejado, necessita o professor avaliar o próprio plano com vistas ao replanejamento. Nesta fase, a avaliação adquire um sentido diferente da verificação do ensino-aprendizagem e um significado mais amplo. Isso porque, além de medir os resultados do ensino-aprendizagem, procuramos avaliar a qualidade do nosso plano, nossa eficiência como professores e, a eficiência do currículo. Há vários tipos de Planejamento: o educacional, mais amplo, faz parte das incumbências do Governo; o curricular é de responsabilidade das instituições de ensino; os de ensino, unidade e aula, são da alçada de cada professor. Para o fim que desejamos, abordaremos apenas, e de forma sucinta, o planejamento de aula.

Confira na próxima edição a segunda e última parte deste artigo.
Marcos Tuler é pastor, pedagogo, escritor e reitor da Faecad (Faculdade Evangélica de Ciência e Tecnologia das Assembleias de Deus).

Fonte: Ensinador Cristão, Número 45, Ano 12, jan-fev-mar / 2010, Página 44, CPAD

domingo, 9 de janeiro de 2011

Como distinguir a voz de Deus



“Deus me falou”, uma frase repetida freqüentemente, deveria fornecer a última palavra sobre qualquer decisão ou assunto. Se Deus falou, está falado! A experiência confirma que não é bem assim. Ocorre muitas vezes que aqueles que afirmam que Deus falou para eles declaram depois que Ele falou outra coisa, contrária à direção anterior. A voz de Deus facilmente se confunde com a voz do ouvinte ou de um espírito qualquer. Essa é a razão pela qual João adverte contra simplesmente dar crédito a todo “espírito”. Ordena que os líderes examinem os espíritos para ver se eles procedem de Deus, “porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo” (1 Jo 4.1, NVI).

A.W. Tozer recomenda não encarar as Escrituras como alguma “coisa” que você pode torcer de acordo com a conveniência da hora. “A Bíblia é mais do que uma coisa; ela é uma voz, a verdadeira Palavra do Deus vivo.” Os evangélicos, quase sem exceção, concordariam.
Tão perigoso deve ser imaginar que se ouviu a voz de Deus, que cristãos sábios tomam cuidados para confirmar que o que foi ouvido tenha respaldo nas Sagradas Letras.

Outros mais tradicionais rejeitam qualquer voz viva hoje, preferindo confiar somente na Palavra escrita para receber orientação do Senhor. Cristãos carismáticos crêem firmemente em profecias e línguas que, uma vez entendidas pelo dom de interpretação, comunicam a voz de Deus, Muitos cristãos tradicionais ficam convencidos de terem recebido um chamado para ministério pastoral ou para servir no campo missionário. Mas, se indagarmos como receberam essa informação sobre o propósito de Deus para as suas vidas, respondem que o Senhor mesmo falou com eles. Por isso, é necessário distinguirmos entre o infalível e o falível, entre sugestões ou “vozes” na cabeça e a Palavra eterna de Deus.

A Bíblia é totalmente confiável. Foi inspirada por Deus e, portanto, é útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça (2 Tm 3.16). Todos os evangélicos aceitam essa realidade. Problemas surgem quando se procura orientação sobre decisões entre caminhos igualmente endossados pelas Escrituras. qual seria a vontade de Deus relativa `a escolha para o casamento entre dois jovens, ambos cristãos comprometidos ou entre duas carreiras, ambas úteis para o serviço do Reino? É comum “ouvir a voz de Deus” que nos orienta na direção de nossos desejos pessoais. Será que Deus sempre escolhe para nós uma vida mais prazerosa, mais confortável e mais preospera?

Segundo o relato de Lucas em Atos, a orientação de Deus para seus servos Barnabé e Paulo de Tarso foi para que saíssem de Antioquia para a obra para a qual Deus os tinha chamado. Essa obra trouxe para Paulo muito trabalho, açoites, prisões, naufrágios, apedrejamento e, no fim, decapitação. Certamente, Deus não falou sempre de acordo com seus desejos pessoais.

Outra maneira pela qual se ppode confundir a “voz de Deus” e o desejo do preoprio coração ocorre na prática de ler um trecho histórico da Bíblia e concluir que, da mesma maneira que Deus agiu na antiguidade, agirá novamente. Como exemplo, pense no caso de Gideão. Colocou uma porção de lã na eira. Se o orvalho molhasse apenas a lã, ele teria certeza de que Deus libertaria Israel. Se ocorresse o contrário, ele teria dupla certeza de que a libertação de Deus viria. Não podemos ter certeza de que, usando o mesmo método, Deus tambeem repetirá os milagres. Ele não tem nenhuma obrigação de nos dirigir tal como fez no passado.

George Muller, usado por Deus para cuidar de 9.500 órfãos, repassar milhões de libras para missões transculturais e publicar milhões de Bíblias e porções dela, também precisava ter certeza de que Deus estava dirigindo-o. Quando percebeu a necessidade de construir mais um prédio para abrigar os órfãos, orou buscando essa orientação durante seis meses. Se Deus estava garantindo o sucesso do empreendimento. Começaria a construção mesmo sem ter uma moeda no caixa.

Buscar a orientação de Deus é não somente positivo, mas imprescindível. Um grande perigo jaz nas decisões tomadas depois de se ouvir uma voz na cabeça ou sentir uma inclinação sem respaldo bíblico.

Fonte: Russel Shedd. Revista Enfoque Gospel. Fevereiro/2008

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

NÃO ACREDITAR EM DEUS É UM ATALHO PARA A FELICIDADE SEGUNDO SAM HARRIS



Em novo livro, o filósofo e neurocientista americano Sam Harris propõe a criação de uma 'ciência da moralidade' para acabar de uma vez por todas com a influência da religião.

Quando o filósofo americano Sam Harris soube que o atentado ao World Trade Center em Nova York (Estados Unidos), no dia 11 de setembro de 2001, teve motivações religiosas, a briga passou a ser pessoal. Harris publicou em 2004 o livro A Morte da Fé (Companhia das Letras) — uma brutal investida contra as religiões, segundo ele, responsáveis pelo sofrimento desnecessário de milhões. Para Harris, os únicos anjos que deveríamos invocar são a ‘razão’, a ‘honestidade’ e o ‘amor’.

Ao entrar de cabeça em um assunto tão delicado, o filósofo de 43 anos conquistou uma legião de inimigos e deu início a uma espécie de combate literário. Em resposta à repercussão de seu primeiro livro, que levou à publicação de livros-resposta sob as perspectivas muçulmana, católica e outras, os ataques de Harris à fé religiosa continuaram em 2006, com o lançamento do livro Carta a Uma Nação Cristã (Companhia das Letras).

Criado em um lar secular, que nunca discutiu a existência de Deus e nunca criticou outras religiões, Harris recebeu o título de Doutor em Neurociência em 2009 pela Universidade da Califórnia (Estados Unidos). A pesquisa de doutorado serviu como base para seu terceiro livro, lançado em outubro de 2010: The Moral Landscape (sem edição brasileira). Nele, Harris conquista novos inimigos, dessa vez cientistas.

Agora, Harris tenta utilizar a razão e a investigação científica para resolver problemas morais, sugerindo a criação do que ele chama de "ciência da moralidade". Ele afirma que o bem-estar humano está relacionado a estados mentais mensuráveis pela neurociência e, por isso, seria possível investigar a felicidade humana sob essa ótica — algo com que a maioria dos cientistas está longe de concordar.

A ciência da moralidade substituiria a religião no papel de dizer o que é bom ou mau. Esse ‘novo ateísmo’ rendeu a Harris e outros três autores proeminentes — Daniel Dennet, Richard Dawkins e Christopher Hitchens — o título de 'Cavaleiros do Apocalipse'.

Em entrevista ao site de VEJA, Harris explica os pontos mais sensíveis de sua argumentação, e afirma que descrer de Deus é um atalho para a felicidade.

Por que a moralidade e as definições do bem e do mal não deveriam ser deixadas para a religião?

O problema com relação à Religião é que ela dissocia as questões do bem e do mal da questão do bem-estar. Por isso, a religião ignora o sofrimento em certas situações, e em outras chega a incentivá-lo. Deixe-me dar um exemplo. Ao se opor aos métodos contraceptivos, a doutrina da Igreja Católica causa sofrimento. É coerente com seus dogmas, embora eles levem crianças a nascerem na pobreza extrema e pessoas a serem infectadas pela aids, por fazerem sexo sem camisinha. Através das eras, os dogmas contribuíram para a miséria humana de maneira tremenda e desnecessária.

Nem toda moralidade é baseada em religião. Existe uma longa tradição de pensamento moral secular por meio da filosofia. O que há de errado com essa tradição?

Não há nada de errado com ela a não ser o fato de que a maior parte das discussões filosóficas seculares são confusas e irrelevantes para as questões importantes na vida humana. Deveria ser consenso o apreço ao bem-estar humano. Se alguma coisa é má, é porque ela causa um grande e desnecessário sofrimento ou impede a felicidade das pessoas. Se alguma coisa é boa, é porque ela faz o contrário. Mas existem filósofos seculares batendo cabeça em debates entediantes, dizendo que não podemos falar de verdade moral. Segundo eles, cada cultura deve ser livre para inventar seus ideais morais sem ser perturbado por outros. Isso é loucura. Hoje reconhecemos que a escravidão, que era praticada por muitas culturas, era fonte de sofrimento. Nesse caso, deixamos para trás o relativismo. Por que não podemos fazer o mesmo em outros casos?

Você parece sugerir que a tolerância a outros credos não é uma virtude, como a maioria pensa. Por quê?

É um posicionamento inicial muito bom. A tolerância é a inclinação para evitar conflito com outras pessoas. É como queremos que a maioria se comporte a maior parte do tempo quando se depara com diferenças culturais. Mas quando as diferenças se tornam extremas e a disparidade na sabedoria moral se torna incrivelmente óbvia, então, a tolerância não é mais uma opção. A tolerância à intolerância nada mais é do que covardia. Não podemos tolerar uma jihad global. A ideia de que se pode chegar ao paraíso explodindo pessoas inocentes não é um arranjo tolerável. Temos que combater essas coisas por meio da intolerância às pessoas que estão comprometidas com essa ideologia. Não acredito que seria possível sentar à mesa com, por exemplo, Osama Bin Laden e convencê-lo que a forma como ele enxerga o mundo é errada.

Por que a ciência deveria ditar o que é certo e o que é errado?

Temos que reconhecer que as questões morais possuem respostas corretas. Se o bem-estar humano surge a partir de certas causas, inclusive neurológicas, quer dizer que existem formas certas e erradas para procurar a felicidade e evitar a infelicidade. E se as respostas corretas existem, elas podem ser investigadas pela ciência. Chamo de ciência o nosso melhor esforço em fazer afirmativas honestas sobre a natureza do mundo, tendo como base a razão e as evidências.

O que é a ciência da moralidade e o que ela quer conquistar?

É a ciência da mente humana e das variáveis que afetam a nossa experiência do mundo para o bem ou para o mal. Ela pretende discutir, por exemplo, o que acontece com mulheres e garotas que são forçadas a utilizarem a burca [vestimenta muçulmana que cobre todo o corpo da mulher]. São efeitos neurológicos, psicológicos, sociológicos que afetam o bem-estar dos seres humanos. Com a burca, sabemos que é ruim para as mulheres e para a sociedade. Se metade de uma sociedade é forçada a ser analfabeta e economicamente improdutiva, mas ter quantos filhos conseguir, fica óbvio que essa é uma estratégia ruim para construir uma população que prospera. O objetivo é entender o bem-estar humano. Assim como queremos fazer convergir os princípios do conhecimento, queremos que as pessoas sejam racionais, que avaliem as evidências, que sejam intelectualmente honestas e que não sejam guiadas por ilusões. A Ciência da Moralidade pretende aumentar as possibilidades da felicidade humana.

O senhor afirma que há um muro dividindo a ciência e a moralidade. No que ele consiste?

Existem razões boas e ruins para a existência desse muro. A boa é que os cientistas reconhecem que os elementos relevantes ao bem-estar humano são extremamente complicados. Sabemos muito pouco sobre o cérebro, por exemplo, para entender todos os aspectos da mente humana. A ciência espera um dia responder essas questões e isso é muito bom. A razão ruim é que muitos cientistas foram confundidos pela filosofia a pensar que a ciência é um espaço sem valores. E a moralidade está, por definição, na seara dos valores. Esse muro não será destruído enquanto não admitirmos que a moralidade está relacionada à experiência humana, que por sua vez está relacionada com o cérebro e com a forma pela qual o universo se apresenta. Ou seja, por elementos que podem ser investigados pela ciência.

Quais avanços científicos lhe fazem pensar que, agora, a moralidade pode ser tratada a partir do ponto de vista do laboratório?

Temos condição de dizer quando uma pessoa está olhando para um rosto, ou uma casa, ou um animal, ou quais palavras ela está pensando dentro de uma lista. Esse nível cru de diferenciação de estados mentais está definitivamente ao alcance da ciência. Sabemos quando uma pessoa está sentindo medo ou amor. Por causa disso podemos, em princípio, pegar uma pessoa que diz não ser racista, colocá-la em um medidor e verificar se ela está falando a verdade. Não apenas isso, podemos descobrir se ela está mentindo para si mesma ou para as outras pessoas. A tecnologia já chegou a esse nível, mas não conseguimos ler a mente das pessoas com detalhes. É possível que futuramente possamos descobrir coisas sobre a nossa subjetividade de que não temos consciência, utilizando experimentos científicos. E isso tudo se relaciona ao bem-estar humano e o modo como as pessoas ficam felizes e como poderemos viver juntos para maximizar a possibilidade de ter vidas que valham a pena.

Por que deveríamos confiar a educação dos nossos filhos aos valores científicos? Os cientistas não se transformariam, com o tempo, em algo como padres, mas com uma ‘batina’ diferente?

Cientistas não são padres. Os médicos, por exemplo, agem sob o pensamento da medicina, que, como fonte de autoridade, não se tornou arrogante ou limitou a liberdade das pessoas de maneira assustadora. É uma disciplina que está concentrada em entender a vida humana e minimizar o sofrimento físico. Seu médico nunca vai até você ‘pregar’ sobre os preceitos da ciência, você vai até ele quando precisa. Pais que se deixam guiar por dogmas religiosos não dão remédios aos filhos e os deixam morrer. Na ciência não existem dogmas. Qualquer afirmação pode ser contestada de maneira sensata e honesta.

O que dizer dos experimentos neurológicos que sugerem que a crença religiosa está embutida nos nossos cérebros?

Não acho que a crença religiosa esteja embutida no cérebro humano. Mas digamos que esteja. Façamos um paralelo com a bruxaria. Pode ser que a crença em bruxaria estivesse embutida em nossos cérebros. A bruxaria matou muitos seres humanos, assim como a religião. Todas as culturas tradicionais acreditaram em algum momento em bruxas e no poder de magia e, na verdade, a crença na reza possui um conceito semelhante. Algumas pessoas dizem que sempre acreditaremos em bruxas, que a saúde humana será afetada pela 'magia' de vizinhos. Na África, muitas pessoas realmente acreditam em bruxaria e isso é terrível porque causa sofrimento desnecessário. Quando não se entende porque as pessoas ficam doentes, ou porque as crianças morrem antes dos três anos, você está num estado de ignorância que a crença em bruxaria está suprindo uma necessidade de maneira nociva. Superamos isso no mundo desenvolvido por causa do avanço da Ciência. Sabemos como a agricultura é afetada, por exemplo. Entendemos os fenômenos meteorológicos e a biologia das plantas. Não é algo que a religião resolve, e sim a ciência. Mas costumava ser assim. A crença na regência de um deus sobre a lavoura era universal.

As pessoas deveriam parar de acreditar em Deus? Se eu acho que as pessoas deveriam parar de acreditar no Deus da Bíblia?

Com certeza. Da mesma forma que as pessoas pararam de acreditar em Zeus, em Thor e milhares de deuses mortos. O Deus da Bíblia tem exatamente o mesmo status desses deuses mortos. É um acidente histórico estarmos falando dele e não de Zeus. Poderíamos estar vivendo num mundo onde os suicidas muçulmanos se explodiriam por causa de ideias dos deuses do Monte Olimpo. A diferença entre xiitas e sunitas muçulmanos é a mesma diferença entre seguidores de Apolo e seguidores de Dionísio.

O senhor sempre foi ateu?

Nunca me considerei um ateu, nem mesmo ao escrever meu primeiro livro. Todos somos ateus em relação a Zeus e Thor. Eu era um ateu em relação a eles e ao deus de Abraão. Mas nunca me considerei um ateu, como a maioria das pessoas não se considera pagã em relação aos deuses do Monte Olimpo. Foi no 11 de setembro de 2001, dia do atentado ao World Trade Center em Nova York, que senti que criticar a religião publicamente havia se tornado uma necessidade moral e intelectual. Antes disso eu era apenas um descrente. Eu nunca havia lido livros ateus, ou tivera qualquer conexão com a comunidade ateísta. O ateísmo não é um conceito que considere interessante ou útil. Temos que falar sobre razão, evidências, verdade, honestidade intelectual — todas essas coisas são virtudes que nos deram a ciência e todo tipo de comportamento pacífico e cooperativo. Não é preciso dizer que você é contra algo para advogar em favor da honestidade intelectual. Foi justamente isso que destruiu os dogmas religiosos.

O senhor cresceu em um ambiente religioso?

Cresci em um ambiente completamente secular, mas não havia crítica às religiões ou discussões sobre ateísmo, existência de Deus etc. Quando era adolescente, fiquei muito interessado em religiões e experiências religiosas. Coisas como meditação, por exemplo. Aos vinte, comecei a estudar espiritualidade e misticismo. Ainda me interesso por essas coisas, mas acho que, para experimentar, não precisamos acreditar em nada que não possua evidencias suficientes.

Como o senhor se sente em ser rotulado como um dos ‘Quatro Cavaleiros do Apocalipse’?

Estou muito feliz com a companhia! É uma honra. A associação não me desagrada de forma alguma. Acho que os quatro lucraram por terem sido reunidos e tratados como uma pessoa de quatro cabeças. Em alguns momentos é um desserviço porque nossos argumentos não são exatamente os mesmos e não acreditamos nas mesmas coisas em todos os pontos. Mas tem sido útil sob o ponto de vista das publicações e admiro muito os outros cavaleiros — os considero mentores e amigos. A parte do apocalipse tem um efeito cômico.

Se o senhor tivesse a chance de se encontrar com o Papa para um longo e honesto bate-papo, qual seria sua primeira pergunta?

Gostaria de falar imediatamente sobre o escândalo do estupro infantil dentro da Igreja Católica. Acho que o Papa é culpável por tudo que aconteceu. A evidência nesse momento sugere que ele estava entre as pessoas que conseguiram fazer prolongar o sofrimento de crianças por muitos anos. Acho que ele trabalhou ativamente para proteger a Igreja do constrangimento e no processo conseguiu garantir que os estupradores tivessem acesso às crianças por décadas além do que deveria ter sido. O Papa deveria ser diretamente desafiado por causa disso. Contudo, é algo que seu status como líder religioso impede que aconteça. Ele nunca seria protegido dessa forma se ele estivesse em qualquer outra posição na sociedade. Imagine o que aconteceria se descobrissem que o reitor da Universidade de Harvard [uma das universidades americanas mais respeitadas do mundo] tivesse permitido que empregados da universidade estuprassem crianças por décadas e ele tivesse mudado essas pessoas de departamento para protegê-las da justiça secular? Ele estaria na cadeia agora. E isso é impensável quando se fala do Papa. Isso acontece por que nos ensinaram a tratar a religião com deferência.

Fonte: Matéria de Marco Túlio Pires para Revista Veja. 01/01/2011