terça-feira, 26 de abril de 2011

É difícil ser feliz sozinho



O isolamento social pode causar sérios distúrbios.

“A dor da solidão é uma ferida profundamente perturbadora”, afirma o pesquisador John Cacioppo, professor de psicologia da Universidade de Chicago e um dos mais renomados pesquisadores sobre solidão dos Estados Unidos. A afirmação consta no livro Solidão, recém lançado pela Editora Record, que traz um amplo estudo sobre um ‘estado’ que causa temor em muita gente: ‘o sentir-se sozinho’. “A solidão remete à angústia da separação e faz parte do ser humano temer o desamparo”, comenta a psicóloga do Hospital Samaritano de São Paulo, Luana Viscardi.

Segundo o livro, o isolamento social tem um impacto na saúde comparável ao efeito da pressão sanguínea alta, da falta de exercícios, da obesidade e do cigarro. O estudo que deu origem ao livro utilizou exames de ressonância magnética para estudar as conexões entre isolamento social e atividade cerebral. E o resultado é que, em pessoas mais sociáveis, uma região do cérebro conhecida como estriato ventral ficou muito mais ativa quando elas observavam imagens de pessoas em situações agradáveis. O mesmo não ocorreu nos cérebros de pessoas solitárias. Vale destacar que o estriato ventral é uma região importante para o cérebro, em especial para o aprendizado, ativada por estímulos que os especialistas chamam de recompensas primárias (como a comida) e recompensas secundárias (como o dinheiro). A convivência social e o amor também podem ativar a região.

A dor da solidão é psíquica

Exagero? Que nada! Para Margareth dos Reis, Doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e psicóloga do Instituto H. Ellis, de São Paulo, a sensação de vazio provocada pela solidão pode desenvolver sintomas sérios. “Depressão, compulsão por comida e alcoolismo podem entrar nessa lista”, confirma Margareth. Já Luana explica que a dor da solidão não é física, e sim psíquica. “Mas, ao se sentir sozinha, a pessoa pode ser levada à angústia e daí ter reações físicas como tontura, sudorese e coração acelerado”, completa.
Para tratar o problema, em casos mais amenos, o acompanhamento psicológico pode ajudar. Se o individuo já estiver em um nível mais crônico, apresentando um quadro depressivo, por exemplo, pode necessitar de medicamentos. Isso porque, de acordo com a pesquisa apresentada no livro, os seres humanos são muito mais entrelaçados e interdependentes – em termos fisiológicos e psicológicos – do que se supõe. “O ser humano precisa do contato social, pois isso é benéfico para ele perceber seu potencial, aprender, crescer e trocar experiências”, diz Margareth.

Dificuldade de interagir

No entanto, cada vez mais a conectividade está sob risco. “Há uma enorme oferta de atividades, porém existe uma superficialidade nos relacionamentos”, alerta Margareth. Para ela, quem vive nas grandes metrópoles sofre ainda mais com isso. “As pessoas não conseguem se identificar com as outras, estão sempre reclamando de falta de tempo, vivem na correria e usam isso para justificar a dificuldade de interagir”, acrescenta a psicóloga. Além disso, segundo ela, existem as redes sociais na Internet que conquistam cada vez mais seguidores e, muitas vezes, criam uma ilusão. “Há pessoas que têm uma rede de contato extensa, mas não têm intimidade com ninguém. Se quiser uma companhia para ir ao cinema, por exemplo, não consegue contar com alguém desta lista virtual”, condena Margareth.

Em contrapartida, Luana defende que não dá apenas para enxergar os contatos virtuais de forma negativa. “Tudo depende da forma como cada um utiliza essa ferramenta. Enquanto alguns se fecham neste mundo ilusório, outros usam isso para ampliar trocas e reencontrar verdadeiras amizades.” A superficialidade também está fora do virtual. “Nas grandes cidades, por exemplo, estão todos centrados no trabalho e, após o expediente, nem sempre ocorre esta troca”, destaca Luana.

A versão positiva

John Cacioppo explica em seu estudo que, para um ser da nossa espécie, a saúde e o bem-estar requerem que o indivíduo esteja satisfeito e seguro em seus laços com outras pessoas. Seria uma forma de ‘não se sentir só’. E Margareth acrescenta que um indivíduo solitário não pode se deixar cair nessa rotina empobrecida, de isolamento e confinamento de vida. “Se não reagir logo, a pessoa pode ficar depressiva e indisposta para reverter o caso”, avalia. “Nada substitui a presença de alguém, o contato”, afirma Margareth.

Embora a solidão esteja sempre atrelada a um sentimento negativo, ela também apresenta sua versão positiva. Pelo menos é o que defendem os especialistas. “Se fechar para balanço ou ter um momento de recolhimento é muito positivo para qualquer pessoa”, diz Margareth. Para Luana, este pode até ser um processo doloroso, porém de enorme importância para o crescimento pessoal. “Isso apenas não pode se tornar constante”, lembra Margareth. Segundo a obra, “quase todos sentem as pontadas da solidão em algum momento”. E este sentimento pode ser algo breve e superficial, como ser o último escolhido para uma brincadeira – ou algo agudo e severo -, como a perda de um ente querido. “Este tipo de solidão faz parte da vida de qualquer pessoa”, avalia Margareth.

Fonte: Simone Cunha, especial para o iG - 07/04/2011 http://delas.ig.com.br/comportamento/e+impossivel+ser+feliz+sozinho/n1596828826286.html

quarta-feira, 20 de abril de 2011

As últimas horas de Jesus



Quase tudo o que se sabe sobre a vida de Jesus, seu legado e ensinamentos, foram resumidos nos evangelhos canônicos – escritos por Mateus, Marcos, Lucas e João – cerca de 40 anos após a sua morte. Essencialmente, os discípulos contaram a mesma história, porém salientaram aspectos diferentes. Afinal, reconstituir uma trajetória como a de Jesus Cristo deve ter sido tarefa desafiadora.

Todavia, entre todos os relatos, há um momento que mereceu destaque especial. Trata-se da última semana do Mestre com o povo. Dias que antecederam as comemorações da Páscoa do judaísmo e ressignificaram esta festa, transformando-a no evento mais importante do mundo cristão. Hoje, quase 20 séculos depois, a arqueologia, antropologia, sociologia, história, medicina e demais áreas do conhecimento têm ajudado a preencher muitas lacunas culturais que não foram mencionadas pelos evangelistas.

ÚLTIMA VIAGEM DE JESUS

Conta a história que por volta do ano 30 (d.C.), Jesus, acompanhado por seus discípulos e uma multidão de peregrinos, viaja a Jerusalém para participar das celebrações da Páscoa no templo judaico. A cidade tinha cerca de 100 mil habitantes, mas nessa época chegava a abrigar 180 mil pessoas. Para o povo que O seguia, era apenas uma viagem de rotina, já que os palestinos costumavam visitar Jerusalém nessa época. Entretanto, Jesus sabia o sofrimento que havia de passar. Chegando ao local, uma semana antes de sua morte, foi direto a Betânia – um pequeno vilarejo localizado a três quilômetros de Jerusalém –, onde se hospedou na casa de Lázaro, Marta e Maria, seus melhores amigos. Participaria das programações no templo e diariamente retornaria a Betânia a fim de descansar. E assim sucedeu (veja tabela abaixo):

DOMINGO

Pela manhã, bem cedo, Jesus parte para Jerusalém, montado em um jumento, como previa o profeta Zacarias. Sua entrada nos portões da cidade é triunfante. Uma multidão O reverencia, abanando louros e palmeiras enquanto gritam: “Viva o profeta de Nazaré!”.

Ao chegar ao templo, uma cena bastante desagradável O impacta. Desde a esplanada, todo o local está infestado de ambulantes vendendo quinquilharias, negociantes e cambistas comercializando animais. Jesus fica indignado, perde a paciência, vira as mesas dos comerciantes, derruba cadeiras, abre gaiolas e grita: “Vocês fizeram da casa do meu Pai um covil de ladrões”.

SEGUNDA E TERÇA-FEIRA

Jesus retorna ao templo, onde discursa através de parábolas e debate com a elite sacerdotal judaica (fariseus e saduceus). Eles estavam irritados. A cena da expulsão dos negociantes ocorrida no dia anterior havia sido a gota d’água para que as autoridades judaicas, definitivamente, O considerassem uma ameaça, não apenas à situação econômica, mas ao bem-estar político do Estado Judeu que, na época, era dominado pelos romanos.

Mal-intencionados, preparam armadilhas para que Jesus tropece em suas opiniões. Porém, sem sucesso, não encontram em suas palavras razão para condená-lO.

QUARTA-FEIRA

A aflição aumenta ainda mais. Ao retornar ao templo, Jesus chora no Monte das Oliveiras e, diante de Jerusalém, lamenta a destruição que sobrevirá à cidade.

No templo, continua o debate com os seus adversários.

QUINTA-FEIRA

Passa a tarde com sua mãe.

Entre 18h e 23h30, Jesus celebra sua última ceia junto aos discípulos. Ali, depois de partir o pão e beber do cálice, diz: “Façam isso todas as vezes que comerdes e beberdes em memória de mim”. Nessa reunião, Cristo enfatiza os ensinamentos que deverão ser passados a toda a humanidade após a sua morte.

Por volta das 23h30, Jesus pede que os discípulos fiquem orando e se retira para o Jardim do Getsêmani a fim de orar a sós. Ele sabia que em cerca de 1 hora seria traído por Judas, um dos seus discípulos. Seu coração quase não pode suportar tamanho peso, então afirma: “Minha alma está cheia de tristeza até a morte”.

OBS.: Os evangelhos não tratam detalhadamente da cronologia. Portanto, o quadro é dedutivo.

O SOFRIMENTO NO GETSÊMANI

Havia dias em que Jesus experimentava a sensação de angústia, medo e tristeza. Mas esses sentimentos se intensificaram ainda mais, pouco antes de seu aprisionamento – possivelmente ocorrido por volta de 01h30 da madrugada de sexta-feira – no Jardim do Getsêmani.

De acordo com o relato do médico Lucas – o único evangelista que citou o fato –, naquele momento Jesus transpirava gotas de sangue. Um fenômeno raríssimo conhecido pela ciência como hematidrose e que, segundo o PhD. Alexander Metherell, doutor em Medicina pela Universidade de Miami, ocorre em casos de ansiedade extrema, quando a liberação de certas substâncias químicas ocasiona o rompimento dos vasos capilares das glândulas sudoríparas e faz com que a pele fique sensível a tal ponto de o sangue se misturar ao suor.

De acordo com o artigo “A morte física de Jesus”, escrito pelo médico americano William Edwards e colegas, “a perda sanguínea, provavelmente, foi pequena, no entanto, o ar frio da noite, misturado ao suor, era o suficiente para lhe causar calafrios”. O estudo científico foi publicado pelo JAMA (Jornal da Associação Médica dos Estados Unidos).

SEIS JULGAMENTOS FAJUTOS

Logo depois de ser preso, Jesus é encaminhado a uma série de julgamentos forjados. Possivelmente algemado, os soldados da guarda judaica O levam a presença de Anás, o sogro do sumo sacerdote Caifás – um cargo religioso cujo grau era considerado o mais elevado entre os israelitas. Para eles, era o representante de Deus na terra.

Algumas pessoas questionam esse fato. Afinal, por que os soldados levaram Jesus primeiramente a Anás, se era Caifás o sumo sacerdote no poder?

Paul Maier, professor de História Antiga da Western Michigan University e autor do livro Jesus, Verdade ou Mito?, responde a essa indagação: “Anás era o detentor do maior recorde de todos os tempos em matéria de nepotismo. Fez cinco de seus filhos se tornarem sumo sacerdotes e o título, no momento, pertencia a seu genro, José Caifás, porque ele o concedera”. Mesmo não sendo mais o sumo sacerdote, todos o respeitavam, tamanha a sua influência. Seu cargo era praticamente honorífico.





Paul Maier, professor de História Antiga da Western Michigan University e autor do livro Jesus, Verdade ou Mito?, revela porque os soldados levaram Jesus primeiramente a Anás, se era Caifás o sumo sacerdote no poder naquela época

Além disso, os fariseus sabiam: se Jesus fosse levado à presença de Anás, ele certamente induziria Caifás a condená-lO, já que ambos tinham participação nos lucros das vendas realizadas no templo, uma das atividades mais proeminentes e lucrativas da época. Ter uma banca na sinagoga era como ser proprietário de uma luxuosa loja em um shopping center. Como o sumo sacerdote era o administrador geral, todos os comerciantes deviam-lhe impostos.

Anás queria saber mais sobre a doutrina que o rapaz de Nazaré ensinava ao povo. Mas Jesus respondeu: “Para que perguntas a mim? Pergunte aos que me ouviram...”. E, considerando sua atitude um desrespeito para com a autoridade, um dos oficiais O esbofeteou.

A lei mosaica exigia que a acusação contra os malfeitores fosse feita por, no mínimo, duas testemunhas cujos depoimentos tivessem coerência. Além disso, a lei garantia que um réu jamais seria condenado horas antes de um sábado porque isso lhe impediria de solicitar recurso. Entretanto, mesmo sem nenhuma acusação coesa, o julgamento prosseguiu. Como já era esperado, Anás pediu aos soldados que levassem Jesus à presença de seu genro.

Poucos minutos depois, Jesus já está no palácio de Caifás, onde escribas, anciãos e sacerdotes O aguardavam para um novo interrogatório. Como não havia acusação coerente, o sumo sacerdote, possivelmente avisado da afronta do Mestre a seu sogro e indignado com o episódio da segunda-feira, passa a questioná-lO sobre sua identidade, supostamente messiânica.

Logo, eles O consideram blasfemo por deixar nas entrelinhas a mensagem de que era de fato o Rei dos judeus, um delito constituído no direito romano – lex de maiestate, lei anterior a Júlio César e a Augusto – que punia com morte a traição em relação ao Estado. Ao clarear do dia, agora diante do Sinédrio, Jesus é mais uma vez condenado.

Segundo o teólogo e escritor Josh McDowell, autor da obra As Evidências da Ressurreição de Cristo, havia duas cortes no Sinédrio. Uma composta por 23 membros especializados em julgar casos que envolvessem a pena capital e outra composta por 71membros, “um tribunal para casos que envolvessem o Chefe do Estado, o sumo sacerdote e quaisquer outras pessoas, por ofensas contra o Estado e o Templo”. McDowell diz ainda que o Sinédrio de 71 membros “podia deixar de julgar um caso que envolvesse a pena de morte, por isso é provável que Jesus tenha sido julgado pela corte menor”.

Como o Sinédrio não tinha poder legal para crucificá-lO, precisou encaminhá-lO a uma corte romana a fim de conseguir a liberação. Chamando a atenção para esse fato, o pastor e teólogo Acyr Raymann, professor da Universidade Luterana de São Leopoldo (RS), declara: “O Sinédrio tinha poder para matar Jesus, porém não por crucificação, mas por apedrejamento, por exemplo. No entanto, os fariseus não queriam assumir esta responsabilidade. Por isso, insistiram na crucificação. Só assim esse fardo estaria sobre as costas do governo romano. Sem querer, eles estavam cumprindo as Escrituras”.

Já era aproximadamente 7 horas da manhã quando o quarto julgamento começou. No pretório da fortaleza Antônia, o centro de comando de Pôncio Pilatos, governador romano da Palestina, outro interrogatório aconteceu. Mas Pilatos, que não encontrara motivos para executá-lO, sabendo que Jesus era galileu, encaminhou-O ao tetrarca romano Herodes Antipas, que tinha jurisdição sobre a Galiléia.

Em outras palavras, a cena poderia ser comparada a um presidente enviando a vítima para que o governador do Estado, onde o réu nascera, tomasse as devidas providências. Pilatos não queria se comprometer. Herodes deve ter ficado feliz com a consideração de Pilatos para com ele. Afinal, esta parecia ser uma atitude de reconhecimento. Entretanto, Jesus se recusa a responder qualquer pergunta de Herodes, e o tetrarca O devolve a Pilatos que, mesmo consciente da inocência de Jesus, a fim de agradar a multidão, ordena seu açoitamento seguido da crucificação, o mais infame e cruel método de tortura do mundo antigo, reservado apenas para escravos, revolucionários e aos piores criminosos. Uma pena cujo sofrimento era considerado pior do que o apedrejamento, fogueira, decapitação e estrangulamento defendidos pela lei judaica.

Foram 3 julgamentos judaicos e 3 romanos. O percurso entre os locais por onde Jesus passou desde o aprisionamento até o pretório chega a 4 quilômetros.

A CRUELDADE DO SUPLÍCIO

O açoitamento era uma pena preliminar em todas as execuções romanas. Seu instrumento de martírio era conhecido como flagrum, uma espécie de chicote com cabo de madeira e longas tiras de couro trançado em cujas extremidades eram fixados pedaços de ossos cortantes e bolas de chumbo. A finalidade da repressão era inspirar o medo público e enfraquecer o sujeito pela perda de sangue até paralisá-lo. Somente mulheres, senadores e soldados (exceto os desertores) estavam livres desse flagelo. Na frente do tribunal, era costume amarrar o acusado a um tronco e ali, totalmente despido, dois soldados de cada vez desciam o açoite, começando pelos ombros, depois nas costas, coxas e nádegas, até chegar às pernas.

Segundo o médico e escritor Truman Davis, autor do livro A Crucificação de Jesus, “os açoites primeiro atingem os tecidos subcutâneos, produzindo gotejamento de sangue dos vasos capilares. Em pouco tempo, o sangue arterial das veias dos músculos subjacentes começa a jorrar. As pequenas bolas de chumbo são responsáveis pelas profundas contusões”. Em descrições históricas sobre o suplício, como a que fez Eusébio – um historiador do século 3 – “as veias, músculos, tendões e vísceras da vítima ficam totalmente expostas”.

A lei judaica limitava os açoites em 40 chicotadas. No entanto, os fariseus fundamentalistas, que se orgulhavam de seguir à risca as regras estabelecidas, limitavam os açoites em 40 menos 1, isto é, 39, porque no caso de contarem errado, não chegariam a desobedecer a lei. Mas essa pseudobondade dos fariseus certamente não beneficiou Jesus. Os encarregados do suplício do Mestre eram soldados romanos, e na lei romana não havia limitações para o espancamento do réu. Era o centurião quem determinava o fim do martírio. Ao desamarrar a vítima, permitia-se que ela se deitasse sobre o seu próprio sangue.

Outro costume entre os romanos era o escarnecimento após o flagelo. Como o delito de Jesus havia sido intitular-se Rei, aqueles homens colocaram um manto púrpura sobre seus ombros, simbolizando realeza, e uma coroa com cerca de 70 espinhos que, ao penetrarem o couro cabeludo, provocaram intenso sangramento. Entre gargalhadas, cuspiam em seu rosto e gritavam: “Salve o Rei dos judeus”. Depois disso, Jesus, totalmente dilacerado, é exposto à multidão no pretório – o tribunal romano – e de lá percorre a via sacra rumo à crucificação.

CURIOSIDADE: JESUS MORREU AOS 33 ANOS NO ANO 30 D.C.

Se o calendário cristão começa a contar por ocasião do nascimento de Jesus, como Ele pode ter morrido no ano 30 d.C., se a Bíblia diz que Ele morreu aos 33 anos?

A contagem do tempo até meados de 525 d.C. era uma grande confusão. Existia o calendário Juliano, Gregoriano, Hebreu, Chinês, Muçulmano, entre outros. Para pôr um fim nessa desordem, em 525 d.C., o historiador grego Dionísio, calculando a data de Páscoa, toma o calendário Juliano como base e estabelece o nascimento de Jesus Cristo como sendo o primeiro ano de uma nova era. Os acontecimentos que tivessem ocorrido antes do nascimento de Jesus seriam sinalizados com a sigla a.C.

Apesar de ter sido criado em 525 d.C., somente no século 6 o calendário de Dionísio começa a ser utilizado. No séc. 10, a era cristã é oficializada pela Igreja Católica e a nova medição passou a ser difundida por todo o mundo. No entanto, em meados do séc. 19, quando o calendário já está sendo amplamente utilizado por várias nações, descobre-se que Dionísio cometeu um erro de aproximadamente 4 anos em seus cálculos. Para a historiografia moderna, não há dúvidas de que Jesus nasceu antes da contagem inicial estabelecida por Dionísio, isto é, por volta do ano 4 a.C.


VIA SACRA

O caminho entre o tribunal e o local da execução – uma região montanhosa chamada Gólgota/Calvário, localizada fora dos muros da cidade – era de, no máximo, 650 metros. Nesse percurso, Jesus, agora novamente vestido, carrega o patibulum, isto é, o tronco horizontal da cruz, uma vez que o suporte vertical costumava ficar permanentemente fixado no local.

O peso dessa trave variava entre 34 e 57 quilos – dependendo da cruz, havia vários tipos – e normalmente era colocado sobre os ombros da vítima e atado com tiras. Uma pessoa em situação física normal poderia carregar esse peso sem maiores problemas. No entanto, a debilidade física de Jesus era tão intensa que O impossibilitava de caminhar sem cair. Foram quase 50 minutos de caminhada, arrastando um pé após outro, entre tropeços e empurrões. A cada queda, a trave também caía e lhe esfolava o dorso. Como a exaustão de Cristo excedia os limites, próximo ao Calvário a guarda romana permite que uma outra pessoa O ajude a carregar.

Uma das ponderações comuns sobre a crucificação de Cristo é o questionamento: como o povo judeu pode ter mudado de opinião tão rapidamente de segunda para sexta-feira, já que na segunda reverenciavam-nO e na sexta gritavam “Crucifica-O!”? Nem ao menos os peregrinos que vieram com Jesus podiam defendê-lO?

Maier, autor de Jesus, Verdade ou Mito?, esclarece esse mal-entendido que tem sido a raiz do anti-semitismo, isto é, o ódio aos judeus no mundo. “Naquele tempo as pessoas se deitavam ao pôr do sol e acordavam ao nascer do sol. Convenhamos, Jesus é preso depois de escurecer e é submetido a julgamentos até o amanhecer. É preciso recordar que não havia noticiários noturnos ou plantões de notícia. Portanto, como poderiam saber do que se passava com o Mestre? Na verdade, eles nada souberam até que fosse muito tarde”. E, de fato, de acordo com o depoimento de Lucas, nem todo judeu queria a crucificação de Cristo. Muitos deles ficaram sabendo da execução quando o tumulto passava diante de suas casas. Mas a sentença era irrevogável. O evangelista chega a afirmar que “uma multidão de homens e mulheres judias choravam, enquanto Jesus arrastava sua cruz até o Calvário”.



Josh McDowell lembra que o Sinédrio de 71 membros “podia deixar de julgar um caso que envolvesse a pena de morte, por isso é provável que Jesus tenha sido julgado pela corte menor”

A CRUCIFICAÇÃO

Ao chegar ao local da execução, a lei judaica determinava que uma dose de vinho misturado a mirra (fel) fosse oferecida ao réu. A bebida tinha efeito levemente anestésico. Jesus chegou a molhar a boca no líquido, mas o gosto parecia ser tão ruim que Ele se recusou a tomar.

Por volta de 9 horas da manhã, isto é, à hora terceira, os preparativos para a crucificação se iniciam. Os carrascos, mais uma vez, têm a incumbência de despir Cristo, porém sua túnica está grudada às feridas. Para tirá-la, é necessário puxar violentamente, e isso lhe provoca dores intensas, já que chagas levemente cicatrizadas são novamente abertas. Vestido apenas com um manto, o Mestre é jogado ao chão, a terra penetra em seus ferimentos e o martírio da crucificação atinge o seu ápice quando os pregos lhe atravessam os pulsos e pés, transpassando nervos, tendões e ossos. Certamente, esse foi o momento de pior dor.

Segundo a Enciclopédia Bíblica Wycliffe, “restos arqueológicos de um corpo crucificado na época de Cristo e encontrado em um ossuário perto de Jerusalém indicam que os pregos utilizados nessas execuções eram longos, quadrados e tinham entre 13 e 18 centímetros”. Outro fato curioso é que os pregos não eram transpassados pelas palmas das mãos, mas através dos pulsos, porque os ligamentos e ossos desta região são mais fortes e podem segurar mais peso do que as palmas.

Os pés, geralmente, eram pregados um sobre o outro, deixando as pernas levemente recolhidas a fim de facilitar o apoio e a fixação. Logo depois, uma placa trazia o nome do réu e um letreiro em três idiomas – hebraico, latim e grego –, indicando o crime praticado pelo executado. Na de Jesus, pregada na parte superior do patibulum, estava escrito: Jesus de Nazaré, Rei dos judeus.

Segundo o estudo científico “A Morte Física de Jesus”, “embora o açoitamento tenha resultado em perda considerável de sangue, a crucificação em si era um procedimento relativamente sem sangramento, uma vez que nenhuma grande artéria era comumente atingida”. Os carrascos sabiam o local anatomicamente apropriado para deixar o indivíduo o maior tempo possível exposto ao sofrimento. A crucificação podia durar entre 3 horas e 4 dias. No entanto, quando havia interesse em antecipar a morte – como foi o caso dos ladrões que ainda estavam vivos quando Jesus morrera – quebravam-se as pernas do réu e, sem ter onde se apoiar, o indivíduo morria por asfixia.

Edwards esclarece ainda que o maior efeito patofisiológico da crucificação é a interferência na respiração, particularmente a exalação, já que o ar entra, mas sai com muita dificuldade, como um asmático nas piores crises. “O peso do corpo sobre os braços estendidos e ombros tende a pressionar os músculos intercostais num estado de inalação, impedindo a exalação. Uma exalação adequada exigiria um ato de levantamento do corpo, que poderia ser conseguido ao apoiar-se sobre o tarso dos pés. No entanto, este procedimento resulta em dores como se fossem queimaduras por todo o corpo”.

PÁSCOA - ANTES E DEPOIS DE CRISTO

Era costume entre os israelitas. No primeiro domingo após a primeira lua cheia da primavera, isto é, na noite do dia 14 de Nissan – o primeiro mês do calendário judaico, uma data variável no calendário cristão, entre os dias 22 de março e 25 de abril – o povo judeu comemorava a Pessach. A festa existia desde o período pré-mosaico e celebrava a entrada da primavera no hemisfério norte. Porém, com o advento da libertação do povo judeu após 430 anos de escravidão no Egito, passou a ter novo significado. Era dia de unir a família para festejar a liberdade. Agradeciam a Deus oferecendo sacrifícios e pediam a Ele perdão pelos pecados, assim como proteção sobre o lar e o rebanho.

Desde que o povo judeu, guiado por Moisés e Arão, atravessou o Mar Vermelho em direção à Terra Prometida em 1.060 a.C., em todas as residências dos israelitas, o ritual denominado Pessach – Páscoa, ou literalmente “passagem, travessia” – era reproduzido conforme as últimas ordenanças de Deus ao povo, na noite em que houve a grande libertação. Imolava-se um cordeiro, retirava-se o sangue do animal e então ungia-se os umbrais e vergas das portas, em alusão à proteção contra o anjo da morte que matou os primogênitos das famílias egípcias, a última e única praga que tocou emocionalmente Faraó, fazendo-o autorizar a partida dos escravos rumo à liberdade.

A festa era tão ou mais popular que o Natal dos dias atuais. O banquete servido ao som de música, alaridos e danças tinha mesa farta e muita carne assada.

Para o cristianismo, a morte de Jesus colocou fim à imolação de cordeiros, pois os pecados passaram a ser perdoados através do Espírito Santo, já que Jesus levou sobre si os pecados de todos. Além disso, o marco referencial entre a lei e a graça se estabeleceu.


A MORTE DE JESUS

De acordo com alguns especialistas, a causa da morte de Jesus pode ter sido multifatorial. Desidratação, arritmia por estresse induzido, perda sanguínea e enfarte estão entre os diagnósticos mais especulados. Outros, como o pesquisador Benjamin Brenner, do Centro Médico Rambam de Israel, cogitam ainda a hipótese de ter ocorrido uma embolia pulmonar.

No entanto, há quem conteste essa possibilidade. Dr. William Edward diz que é praticamente improvável que uma trombose tenha se formado num curto espaço de tempo. Para ele, “as duas causas mais lógicas são choque hipovolêmico [que tem como causa determinante a perda de sangue, plasma ou líquidos extracelulares] e asfixia por exaustão”.

Foram seis horas de sofrimento na cruz. Durante esse tempo, esforçando-se ao extremo, Jesus pronunciou apenas sete frases. A primeira delas foi dirigida aos seus executores, enquanto lançavam sortes sobre sua única vestimenta. E disse: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”. A segunda, ao ladrão da cruz que, arrependido, pedia ao Mestre para lembrar-se dele quando entrasse no Reino. A terceira, a seu irmão João – ainda adolescente – que, juntamente com sua mãe, chorava à beira da cruz. “Eis aí a tua mãe, eis aí o teu filho”, disse.

A quarta, pronunciou quando parecia não mais suportar a dor: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”, seguido de “Tenho sede”, quando lhe deram uma esponja umedecida em um pouco de vinho azedo, resto da bebida dos soldados. Finalmente, às 3 horas da tarde de sexta-feira, isto é, à hora nona, Jesus brada em alta voz dizendo: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito”. E então, morre.

A pedido dos soldados, Pôncio Pilatos autorizou a crucifratura dos executados, isto é, o ato de quebrar-lhes as pernas a fim de que não pudessem exercer força para se erguerem e então respirarem. A pressa devia-se ao fato de que o pôr do sol se aproximava e logo se iniciariam as celebrações de Páscoa, período em que as execuções não eram permitidas. Mas, quando a ordem fora dada, Jesus já estava morto, por isso, somente os ladrões tiveram suas pernas fraturadas.

Para certificar-se de que Jesus realmente estava morto, um soldado chamado Longínquos desferiu um golpe de lança sobre o lado direito de seu corpo, transpassando possivelmente um dos pulmões e o coração. João afirmou que “sangue e água jorraram do ferimento”. Para a medicina moderna, a acumulação de fluidos que envolvem o coração – isto é, o pericárdio – e a membrana que cerca os pulmões, denominada pleura, pode ter sido a causa do estranho fenômeno.

Depois disso, José de Arimatéia, que também era seguidor de Jesus, pediu autorização a Pilatos para levar o corpo do Mestre. Então, juntamente com Nicodemos, banharam-nO com mirra e aloés e O sepultaram. Ao terceiro dia, Ele ressuscitou.

Não há sofrimento com tamanha repercussão que tenha sido mais aterrorizante do que as últimas horas de Cristo. Além das dores físicas e injustiças políticas, o desprezo, a humilhação e a rejeição contribuíram para que sua tristeza fosse ainda maior. Felizmente, a crucificação e a morte de Jesus não estabeleceram o fim de um grande ministério, como queriam os fariseus. Na realidade, involuntariamente, eles contribuíram para que o Messias fosse eternamente coroado, cumprindo o que havia sido predito nas Escrituras. Hoje, povos, tribos e nações O reverenciam.

A Páscoa obteve um novo significado. Para o perdão dos pecados, o sacrifício de animais e o derramamento de sangue foram abolidos. Cristo passou a simbolizar o Cordeiro. O madeiro, o altar; e o sangue vertido na cruz, a purificação dos pecados. Este marco divisor entre duas páscoas, a libertação do Egito e o perdão dos pecados pela graça existirá para todo o sempre, até que a promessa de Jesus, feita aos discípulos após a ressurreição, se cumpra. “Irei vos preparar lugar, para que onde Eu estiver, estejais vós também”.

Fonte: Texto de Oziel Alves. Revista Enfoque Gospel. Edição 80 - mar/2008.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

A imortalidade, por Russel Shedd



O inspirado apóstolo Paulo escreveu para a Igreja de Roma que Deus dará vida eterna para os que, persistindo em fazer o bem, buscam glória, honra e imortalidade (Romanos 2:7). Entender bem o que esse trecho da Palavra de Deus ensina para, em seguida, praticá-lo é um desafio e tanto para aquele que toma a sério o que o texto diz.

A maioria dos evangélicos acredita que basta crer, ser batizado, freqüentar os cultos, fazer suas contribuições regulares aos cofres da sua igreja, para ser aceito por Deus. Esse texto de Romanos parece acrescentar algo mais. Uma vez que a “descoberta” da Reforma foi que a salvação se alcança unicamente pela fé, a declaração de Paulo parece contraditória. Para salvaguardar a integridade da verdade do Evangelho, quero oferecer algumas sugestões.

Primeiro, que a inclusão de fazer o bem faz parte integral da salvação de todos aqueles que abraçaram uma fé genuína. Fé viva, afirma Tiago, é demonstrada em obras, não apenas em palavras e boas intenções. Paulo acrescenta que as boas obras devem acompanhar a vida inteira do cristão fiel.

Segundo, o texto confirma que a esperança de receber a herança da vida eterna (imortalidade) é conseqüência de uma busca, mesmo depois de ter crido sinceramente nas verdades centrais do Evangelho e confiado no Senhor Jesus. “Buscar” significa mais do que apenas esperar. O autor de Hebreus colocou essa necessidade assim: “Esforcem-se para viver em paz com todos e para serem santos; sem a santidade, ninguém verá o Senhor” (Hebreus 12:14).

Terceiro, dá para se deduzir que a importância de buscar a glória e honra, que somente Deus pode conceder, reside no fato de que aquele que não busca não receberá esse grande galardão. Há perigo imensurável de imaginar que o Pai dará ao seu “filho”, descompromissado com qualquer valor do Reino, o mais precioso dos seus tesouros.

Não foi essa a lição que Jesus quis frisar em sua conhecida parábola dos servos e dos talentos? Os primeiros dois se esforçaram até dobrar o valor dos seus talentos, enquanto o servo mau e desobediente escondeu seu único talento no quintal. Quando o entregou ao dono, a reação foi imediata e contundente: “Servo mau e negligente! Você sabia que eu colho onde não plantei e junto onde não semeei... Tirem o talento dele e entreguem-no ao que tem dez... e lancem fora o servo inútil nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes” (Mateus 25:26-30 – NVI).

Uma vez convencidos de que a vida eterna pode ser recebida unicamente pela fé no Senhor Jesus, nos resta a tarefa de procurar o sentido de “buscar a glória e imortalidade”.

Pelo contexto imediato, concluímos que essa busca inclui a prática do bem, não apenas durante alguns dias em que estávamos motivados pelo primeiro amor, mas persistindo em fazer o bem durante toda a vida. A busca requer uma dedicação à vontade de Deus revelada na Bíblia. Paulo entendeu que seu apostolado se resumia no chamado de um povo dentre as nações “para a obediência que vem pela fé” (Romanos 1:5).

Alguém que se compromete com o serviço do seu Senhor deve saber o que este quer que ele faça. Paulo exorta os efésios a não serem insensatos, mas “procurar compreender qual é a vontade do Senhor” (Efésios 5:17). Esforçar-se para saber e praticar o que o mestre quer, sem dúvida, significa buscar a glória, isto é, sua aprovação. “Procure apresentar-se a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar...” (2 Timóteo 2:15 – NVI).

Quando Jesus declarou que ele edificaria sua igreja, não pensou em uma igreja que ajuntaria dois bilhões dos habitantes da terra que apenas se identificam verbalmente como “cristãos”, mas cujas vidas demonstram os mesmos valores e práticas daqueles que não professam qualquer lealdade ao Senhor Jesus.

O futuro do filho de Deus, salvo pela fé e guiado pelo seu Espírito, será muito melhor do que a imaginação humana pode contemplar. O futuro que aguarda aqueles que amam o Senhor de verdade e, por amor a ele, buscam sua vontade e sofrem para servi-lo, tem a garantia de uma recompensa de imortalidade repleta de honra e glória. Eles ouvirão as palavras de Jesus: “Bem feito, servo bom e fiel... entra tu no gozo do teu Senhor”!

Fonte: Revista Enfoque Cristão - Edição 86 - Outubro/2008

segunda-feira, 11 de abril de 2011

A maldição dos nomes

Uma crítica sobre a superstição em torno da onomatomancia

Já vem de longe a superstição de que o nome pode exercer influência no caráter e no destino da pessoa, ou seja, do seu portador. É bem conhecida de todos a expressão proverbial dos romanos que diz: nomen est omen, isto é , “o nome é um algúrio”.

A importância que os antigos conferiam aos nomes próprios foi, a princípio, muito razoável, porém, degenerou-se bem depressa numa idéia supersticiosa. Persuadidos de que havia um poder misterioso em cada nome e de que os nomes tinham uma influência direta sobre aqueles que os usavam, começaram a ter um grande cuidado para escolher alguns cujas significações fossem de feliz sorte”.

A Igreja Romana, com base nessas superstições, exerceu influência considerável sobre os fiéis no momento em que estes buscavam um nome para impor aos seus filhos: “Ela [a igreja católica] empenhou-se sempre, desde os primeiros tempos, para que seus fiéis tivessem nomes santificados”.

Sobre esse assunto, assim se expressa R. Bluteau: “No sacramento do batismo, a imposição do nome é uma espécie de advertência para a perfeição da vida, à qual os padrinhos devem dispor os afilhados, para que um dia tenham seus nomes escritos no livro da vida e componham o número daqueles citados pelo apóstolo Paulo, cujos nomes estão no livro da vida...”

Infelizmente, essa crendice tem sido amplamente propagada até mesmo no meio evangélico. Muitos cristãos sinceros, por desconhecerem as doutrinas basilares do cristianismo e ignorarem seus textos áureos (2Co 5.17; Gl 3.10-13; Ef 1.3), têm aceitado, passivamente, essa heresia supersticiosa.

Segundo os apologistas dessa “superstição”, existem nomes próprios que trazem prognósticos negativos pelo fato de estarem carregados de maldição. Nomes como Jacó, Mara, Cláudia e Adriana são comumente citados pelos supersticiosos como sinônimo de mau presságio. Crêem que os mesmos trazem consigo um prognóstico negativo para o seu portador, por conta da carga de maldição que carregam. Jacó, justificam, significa “enganador”; Mara, “amarga, amargura”; Cláudia, “coxa, manca”; e Adriana, “deusa das trevas”.

Essas declarações iniciais são bastante significativas para conhecermos melhor essa prática antibíblica, cujas raízes estão nos cultos e crenças do paganismo. É bem verdade que existem alguns nomes que, por causa de sua conotação ridícula, devem ser evitados, a fim de que o seu portador não seja exposto a situações vexatórias, irônicas, depreciativas. Mas evitar um nome por atribuir-lhe um poder misterioso, que lhe anda anexo, capaz de prever o futuro do seu portador, é cair no engano da superstição e mergulhar num mar de conceitos antibíblicos.


O fator etimológico

A palavra “nome” vem do vocábulo hebraico shem e do grego, onoma. E, segundo o Dicionário Aurélio, é oriunda do latim nomen, “vocábulo com que se designa pessoa, animal ou coisa”.

Na opinião de Cícero, “nome é o sinal característico que faz com que se conheçam individualmente as coisas”.

Para Mansur Guérrios, “os antropônimos [nomes próprios de pessoas], quando surgiram, levavam consigo um significado que, em geral, traduzia qualquer realidade condizente com os indivíduos, seus portadores”.

Já Aristóteles, numa abordagem mais filosófica, procurava a verdade das coisas na propriedade dos nomes. Para ele, o nome possuía a capacidade de traduzir o caráter da pessoa ou coisa que o traz.

De acordo com os babilônios, “não ter nome era um sinal de não existir”. De fato, criam os antigos que “o nome é inextricavelmente vinculado com a pessoa do seu portador”. Era tal essa crença na antiguidade que tanto “na Mesopotâmia como no Egito, o conhecimento do nome era tido por sagrado”.

Na lenda de Ísis, no Egito, vemos o deus Rá, mordido por uma serpente, suplicar à deusa — Maga — que o cure. Mas a deusa, em primeiro lugar, exige-lhe que pronuncie o seu nome secreto, o da sua força”. Conforme a crença egípcia, conhecer o nome de um deus era tê-lo à sua disposição.


O fator bíblico-teológico

A Bíblia é radicalmente contra todo e qualquer tipo de adivinhação (Lv 20.27; Dt 18:9-15). E todos os crentes sabem que o ato de prever o destino das pessoas, por meio de seus nomes, é um tipo de adivinhação conhecida como “onomatomancia”, cujo significado é: “adivinhação fundada no nome da pessoa”.

Os nomes bíblicos eram, em sua maioria, impostos ou mudados com o objetivo de espelhar ou traduzir o caráter ou o atributo do seu portador. Um claro exemplo dessa assertiva são os chamados “teónimos”, ou seja, os nomes de Deus. Eles exprimem, de modo singular, um traço do caráter divino. Nomes como: El-Eliom (Deus Altíssimo); El-Shadai (Deus Todo-Poderoso); Jeová – Jiré (O Senhor proverá); etc., falam da transcendência, da onipotência e do cuidado providencial de Deus.

Contudo, ainda mais incisivos são os nomes chamados “teóforos”, isto é, os que trazem consigo um elemento divino (Yeshua, “Jeová é salvação”; Eliyahú ou Eliyah, “Jeová é Deus”; entre outros), pois exprimem confiança filial, gratidão, respeito para com os atributos da divindade, voto ou bênção.

A Bíblia não faz alusão a nenhum personagem cujo caráter ou destino tenha sido alterado por conta da imposição do nome, porque os nomes não eram impostos com essa finalidade. Deus mudou o nome de Abrão, “pai elevado”, para Abraão, “pai de uma multidão”, apenas para reafirmar a promessa feita ao patriarca vinte e quatro anos, aproximadamente, antes dessa mudança (Gn 12.1-3; 17.5).

O nome de Salomão, que quer dizer “pacífico”, por exemplo, foi escolhido por Deus antes mesmo de ele ter nascido. Seu nome prenunciava o caráter do seu reino de paz e prosperidade, assim como prefigurava o reinado messiânico. O nome Ismael, “Deus ouviu”, foi imposto sob a orientação de Deus para exprimir sua atenção à aflição de Agar.

O nome de Isaque, que significa “riso, ele ri”, também foi escolhido pelo próprio Deus para lembrar o riso de Sara, sua mãe.

Já o nome Benoni, “filho da minha dor”, traduzia perfeitamente o sofrimento de Raquel no momento de dar à luz.

Mas de todos esses, o exemplo mais clássico é o de Jesus (forma grega do nome Josué, oriunda do hebraico Yeshua, que significa “Jeová é salvação”). Seu nome foi previamente escolhido por Deus a fim de proclamar a sua graça salvífica a todo aquele que crê.

Entretanto, a despeito de todos esses exemplos, o nome bíblico mais convocado para a defesa daqueles que atribuem poder de maledicência aos nomes é o de Jacó, por isso dedicaremos a esse nome uma consideração especial.


Considerações sobre o significado de alguns nomes bíblicos

Jacó

Jacó recebeu esse nome por conta das circunstâncias do seu nascimento. Logo após o nascimento de Esaú, Jacó aparece segurado ao seu calcanhar, razão pela qual seus pais lhe chamaram Jacó, do hebraico Yaakov (preso à raiz akêb: “calcanhar”), cujo significado é: “o que segura o calcanhar”. Mas, então, de onde nos veio o significado “enganador”, tão comumente conferido ao nome Jacó?

Veio da ira, da mágoa e da revolta de Esaú, seu irmão que, ao ver-se privado das bênçãos da primogenitura, disse: “Não é o seu nome justamente Jacó, tanto que já duas vezes me enganou?” (Gn 27.36).

Nessa expressão de Esaú, o nome Jacó está preso à raiz akob, com o sentido de “enganar”, passando a significar “enganador”. Mas essa etimologia é extremamente suspeita, pois está relacionada à expressão de alguém que ficou irado até a morte (Gn 27.41). Além disso, a acusação de Esaú, ao qualificar seu irmão como enganador, também não é totalmente apropriada, e dependendo do prisma em que se analisa a contenda familiar, pode até mesmo se constituir em uma inversão de papéis. Esaú estava reclamando pelo direito à primogenitura que ele próprio havia vendido para Jacó. Logo, não foi enganado. Ao contrário, vendeu seu direito para Jacó de livre e espontânea vontade (Cf. Hb 12.16,17).

Por outro lado, dizer que Jacó enganava Labão, seu sogro, enquanto trabalhava para ele, e justificar, com isso, sua prosperidade, é excluir o agir de Deus em todo aquele acontecimento (Gn 30.27-43; 31.9-16). Sua prosperidade foi fruto da bênção de Deus que, milagrosamente, interveio na sua causa, porque, muito antes de seu nome ser mudado, a bênção divina já repousava sobre Jacó (Gn 25.19-23; 28.10-15; 27.26-29; 28.1-4).

Um outro equívoco bastante difundido é o de que a bênção de Deus na vida de Jacó surgiu a partir do seu encontro com o anjo do Senhor em Peniel, onde teve o seu nome mudado para Israel. Em verdade, naquele encontro Jacó colheu três significativos resultados. Vejamos:

• Uma deficiência física (Gn 32.25,31).

• A mudança do seu nome de Jacó para Israel, que significa: “campeão com Deus, o que luta ou prevalece com Deus” (Gn 32.28).

• Recebeu a bênção que havia pedido (Gn 32.9-12,29).


Mas em que consistia a bênção que Jacó recebeu?

Em primeiro lugar, tanto as bênçãos espirituais quanto as financeiras Jacó já as havia recebido conforme Deus lhe havia prometido (Gn 27.27-29; 28.1-4,10-14; 30.27-43; 32.9,10; 33.11). Em segundo lugar, Jacó não recebeu a cura física, pois, mesmo depois da mudança do seu nome e de ter recebido a referida bênção, ele continuou manquejando de uma coxa (Gn 32.25,31). Posto isso, resta-nos apenas a última alternativa para ser analisada.

Pois bem. Esaú, logo após Jacó ter tomado a sua bênção, disse: “Vêm próximos os dias de luto por meu pai; então matarei a Jacó, meu irmão” (Gn 27.41). A continuação da narrativa bíblica deixa claro que essa promessa deixou Jacó receoso de tal maneira que, quando soube que Esaú vinha ao seu encontro, “teve medo e se perturbou” (Gn 32.6-11).

Consideremos que Jacó, no seu temor e perturbação, ora ao Senhor Deus, pedindo-lhe livramento da morte pelas mãos de seu irmão, Esaú. E, na primeira oportunidade que teve, de estar frente a frente com Deus, reiterou o seu pedido que, felizmente, foi alcançado (Gn 32.26,29). Após esse acontecimento, recobrou o ânimo e foi ao encontro Esaú (Gn 33.1-3), que o recebeu em paz (Gn 33.4-11).


O que podemos julgar de tudo isso?

Que a bênção que Jacó recebeu em Peniel tinha a ver apenas com aquilo que ele mais ansiava: não morrer pelas mãos de Esaú, seu irmão, a quem tanto temia.

O fato de o patriarca se chamar Jacó ou Israel não causou nenhuma alteração em sua vida. A aliança de Deus com Jacó não estava condicionada a uma mudança de nome, antes, estava condicionada, única e exclusivamente, à inefável graça divina.

Logo, dizer que o nome Jacó pode trazer influências negativas à pessoa do seu portador é fechar os olhos para todas essas verdades espirituais, fundamentadas em provas irrefragáveis, e mergulhar no mais profundo abismo da superstição.

Mara

Por seu turno, o significado do nome Mara, diante de tudo o que é dito pelos onomatomantes, não passa de mera especulação. Em primeiro lugar, o nome Mara é aplicado a uma fonte de águas amargas no deserto de Sur. Depois, a uma pessoa. Então, perguntamos: “Por que razão o nome Mara seria aplicado a alguma fonte? Para que as suas águas se tornassem amargas ou por que elas já eram amargas?”. O texto bíblico responde: “Então chegaram a Mara; mas não puderam beber das águas de Mara, porque eram amargas; por isso chamou-se o lugar Mara” (Êx 15.23). Essa explicação, por si só, dispensa comentários.

Como nome de pessoa, a única Mara encontrada na Bíblia é a que aparece no texto do livro de Rute. Na verdade, ela não recebeu esse nome de seus pais. Ao contrário, o impôs a si mesma, pelo fato de não entender o plano de Deus para a sua vida e por não conhecer o caráter bondoso e gracioso de Deus, a quem ela atribuiu toda a causa de seu infortúnio.

Disse Mara aos belemitas que, indagando, diziam: “Não é esta Noemi?”. Ao que ela respondeu: “Não me chameis Noemi; chamai-me Mara; porque grande amargura me tem dado o Todo-Poderoso. Cheia parti, porém vazia o Senhor me fez tornar; por que, pois, me chameis Noemi?...” (Rt 1.19-21).


“Bons” nomes e maus comportamentos

Joel, Abias e Zedequias

Os filhos do profeta Samuel chamavam-se Joel (“Jeová é Deus”) e Abias (“Jeová é Pai”). No entanto, não andaram nos caminhos de seu pai e se inclinaram à avareza, aceitaram suborno e perverteram o direito (1Sm 8.1-3).

O nome Zedequias significa: “Jeová é justo ou justiça de Jeová”. Mas, embora possua bons significados, encontramos na Bíblia um personagem com esse nome que era falso profeta. E o pior. Ele se uniu aos profetas de Baal e esbofeteou o profeta Micaías, homem de Deus, praticando a maior injustiça. E outro profeta chamado Zedequias era imoral e mentiroso (1Rs 22.11,12,24,25; Jr 29.21-23).

Absalão, Judas, Alexandre e Tobias

Absalão significa: “Pai da paz”. Todavia, mandou assassinar Amnom, seu irmão (2Sm 13.32). Traiu seu próprio pai, promovendo rebelião, guerra e destruição em Israel. Mas acabou morrendo tragicamente, com o pescoço pendurado no galho de uma árvore (2Sm 15 a 18).

O significado do nome Judas Iscariotes é: “louvor, louvado”, mas nem por isso Judas deixou de trair Jesus.

Quanto ao personagem Alexandre, cujo nome quer dizer: “defensor ou protetor dos homens”, Paulo diz o seguinte: “Causou-me muitos males” (2Tm 4.14). E referindo-se a outro personagem com o mesmo nome, o apóstolo afirma, em 1Timóteo 1.20: “Entre esses encontram-se Himeneu e Alexandre, os quais entreguei a Satanás, para que aprendam a não blasfemar”.

O nome Tobias significa: “Jeová é bom”. Mas, no Antigo Testamento, esse personagem foi opositor de Esdras e Neemias (Ne 2.10,19). Jeroboão, cujo nome significa: “o que aumenta o povo”, dividiu a nação, mergulhando-a na idolatria e conduzindo-a à destruição (1Rs 13.33).

Se por um lado esses personagens, com nomes de significados tão aprazíveis, não viveram de acordo com aquilo que os seus nomes representavam, por outro lado temos pessoas que, apesar de possuírem nomes com significados negativos, viveram de um modo digno da Palavra de Deus.


“Maus” nomes e bons comportamentos

Paulo, Apolo e companheiros

Paulo, por exemplo, significa “pequeno”. Não obstante, foi o maior dos apóstolos, um baluarte da fé, e o maior expoente do pensamento cristão. Foi ele quem lançou as bases doutrinárias da Igreja, difundiu o evangelho em quase todo o mundo conhecido de sua época.

Apolo, apesar de o seu nome ser de um deus da mitologia grega, e significar “destruidor”, foi “poderoso nas Escrituras”, ganhador e edificador de almas, e tido como um grande homem de Deus, ao lado de Paulo e Pedro (At 18.24-26; 1Co 1.12; 3.4-6,22; 4.6).

Entre os companheiros de Paulo, por exemplo, temos:

Hermes - Nome de um deus mitológico. Hermas, nome derivado de Hermes, o intérprete dos deuses do panteão grego.

Herodião - Nome derivado de Herodes que, do siríaco, significa: “dragão em fogo”.

Ninfa - Não obstante possuir o nome de uma deusa da mitologia grega, tinha uma igreja em sua própria casa.

Narciso - Nome de um deus mitológico amante de sua própria beleza.

Nereu - Nome do deus marinho, esposo da deusa Dóris (ninfa marinha e mãe das cinqüenta nereidas).

Febe - Um epíteto de Artemisa, a Diana dos efésios e deusa da Lua.

Epafrodito - Nome derivado de Afrodite, deusa da fertilidade.

Zenas - Derivado de Zeus, o deus supremo do panteão grego.

Todos esses personagens, não obstante seus nomes estarem diretamente ligados aos deuses pagãos, foram homens e mulheres abençoados por Deus. Viveram uma vida pia, santa e justa na presença do Senhor, pois não sofreram as influências negativas das divindades às quais seus nomes estavam ligados. Textos bíblicos que devem ser conferidos: Romanos 16.1; 16.11; 16.14,15; Filipenses 2.25-30; Colossenses 4.15; e Tito 3.13.

Temos, ainda, por exemplo, os quatro jovens hebreus: Daniel, Hananias, Misael e Azarias, que viveram numa corte pagã e tiveram seus nomes mudados por outros ligados às divindades babilônicas. Todavia, não deixaram de ser fiéis ao seu Deus. Pelo contrário, andaram de tal maneira na presença do Senhor que fez que o monarca da Babilônia baixasse um decreto em que todos deviam temer e tremer diante do Deus de Israel (Dn 1.7-21; 2.46-49; 3.1-30; 6.25-28).

Daniel e companheiros

Nome bíblico e o seu significado

Daniel - Deus é meu juiz

Hananias - Jeová é gracioso

Misael - Quem é o que Deus é?

Azarias - Jeová é auxílio, socorro

Nome pagão e o seu significado

Beltessazar - Bel protege o rei

Sadraque - Amigo do rei

Mesaque - Quem é como Aku (o deus da Lua)

Abednego - Servo de Nego ou Nebo


Um novo e secreto nome

Acreditamos que os depoimentos aqui apresentados são provas incontestáveis de que os nomes em nada podem contribuir com a pessoa do seu portador no sentido de lhe trazer boa ou má sorte, bênção ou maldição. Pois, independente dos nomes, qualquer pessoa que estiver vivendo distante da comunhão com Deus estará debaixo de maldição e, ao contrário disso, todo aquele que estiver em Cristo Jesus, mesmo que o significado do seu nome seja “destruição ou maldição”, estará debaixo da bênção, porque a bênção não vem pelo nome que a pessoa possui, mas por meio de Cristo e da sua Palavra (2Co 5.17; Rm 8.1; Ef 1.3; Jo 15.1-5,7).

Finalmente, para coroar nosso raciocínio, evocamos do livro do Apocalipse uma passagem que nos assegura que, seja qual for o nome que venhamos a ter nesta vida, na eternidade receberemos um novo nome, compatível com a nova vida que estaremos vivendo no céu, junto do nosso amado Deus, Senhor e Salvador Jesus Cristo: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas. Ao que vencer darei a comer do maná escondido, e lhe darei uma pedra branca, e na pedra um novo nome escrito, o qual ninguém conhece senão aquele que o recebe” (Ap 2.17).


Notas:

1 BETTENCOURT, Estêvão D. Para entender o Antigo Testamento. São Paulo, 1959.

2 VIEIRA, S. M. da Silva. Os nomes próprios. Lisboa, 1845.

3 NUNES, J.J. Nomes de batismo. Lisboa, 1936.

4 BLUTEAU R. Vocabulário de nomes próprios. Lisboa, 1936.

5 COSTON, Bom de. Noms Propres. Paris, 1867.

6 VIEIRA, S. M. da Silva. Os nomes próprios. Lisboa, 1845.

7 GUÉRRIOS, Rosário Farani Mansur. Nomes e sobrenomes. São Paulo, 1994.

8 Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova
São Paulo, 2000.

9 ROPS, Daniel. O povo bíblico. Porto: 1950.

10 VIEIRA, S. M. da Silva. Os nomes próprios. Lisboa, 1845.

11 Dicionário Hebraico - Português, Aramaico – Português. Sinodal: São Leopoldo, 1988.


Fonte: Elias Soares de Moraes. Publicado em http://www.cacp.org.br/estudos/artigo.aspx?lng=PT-BR&article=1333&menu=7&submenu=4

quinta-feira, 7 de abril de 2011

A missão da igreja: um conceito incompreendido

O ano de 2010 foi marcado pela ocorrência de dois importantes eventos na área de missões. O primeiro foi a celebração do centenário da histórica Conferência Missionária Mundial ou Conferência de Edimburgo (1910), que se realizou nessa cidade escocesa no início de junho. O site oficial anunciou: “Cristãos de todo o mundo se encontram em unidade e exploram diferentes maneiras de testemunhar de Cristo hoje”. O outro evento foi o 3º Congresso de Evangelização Mundial, realizado em outubro de 2010, na Cidade do Cabo, África do Sul. O encontro reuniu 4 mil participantes de 198 nações e foi a continuação do movimento iniciado em Lausanne, Suíça, em 1974.

Curiosamente, esses encontros representaram duas orientações distintas do protestantismo: no primeiro caso, igrejas comprometidas com uma teologia progressista e ecumênica; no segundo, o evangelicalismo de linha moderada. Tais orientações, às quais correspondem diferentes entendimentos da missão da igreja, apontam para um grande desafio da missiologia: quais são exatamente os contornos da tarefa que foi confiada à igreja? O que a igreja é chamada a fazer no mundo contemporâneo? Infelizmente não tem existido unanimidade entre os cristãos nessa área vital, com sérias consequências para o seu testemunho na sociedade.

Quando se observa o Novo Testamento, verifica-se que Jesus conclamou os seus seguidores a “fazer discípulos” (Mt 28.19), “pregar o evangelho” ou “o arrependimento” (Mc 16.15; Lc 24.47) e “ser suas testemunhas” (At 1.8), em todo o mundo. A versão joanina da Grande Comissão é um tanto indefinida quando afirma: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio” (Jo 20.21). Além das palavras de Jesus, suas ações também foram decisivas quando os primeiros cristãos refletiram sobre a missão da igreja. O Mestre parece ter dado um sentido um tanto abrangente ao “evangelho” ou à mensagem do reino quando não somente pregou e ensinou, mas também socorreu os sofredores. Paulo entendeu a sua missão primordial como sendo anunciar o evangelho (Rm 15.16; 1Co 1.17; 9.16, 23). Ao mesmo tempo, ele também identificou uma tarefa subsidiária, secundária, que era auxiliar os pobres (At 20.35; Gl 2.10).

Nos séculos seguintes, a resposta da igreja ao chamado de Cristo foi diversificada. Houve esforços missionários sérios, bem-intencionados e amorosos, que levaram muitos povos e culturas a abraçarem a fé cristã. Ao mesmo tempo, em especial a partir do século 4, outras agendas passaram a ocupar de modo crescente as atenções da igreja, como o engrandecimento institucional, a busca do poder político e econômico, o anseio por controlar as diferentes áreas da sociedade. A relação com o outro, o diferente, ficou prejudicada pela intolerância doutrinária e religiosa, exemplificada na caça aos hereges e nas guerras contra os “infiéis”. Na Idade Média, os cristãos foram ao encontro dos pagãos não prioritariamente com o evangelho, mas com a espada. O missiólogo Ralph D. Winter se referiu às Cruzadas como “a mais imensa e trágica distorção da missão cristã em toda a história”. Esforços abnegados, porém isolados, de missionários como Raimundo Lull (†1316), pouco contribuíram para atenuar os danos causados.

No período moderno, tanto católicos quanto protestantes continuaram a entender a sua missão principalmente em termos de proclamação da fé cristã, embora essa fé muitas vezes estivesse revestida de uma roupagem cultural e institucional tão forte que podia obscurecer certos aspectos do evangelho. Foi graças a uma visão primariamente evangelística que o século 19 ficou conhecido, na famosa expressão do historiador Kenneth S. Latourette, como “o grande século das missões” na longa trajetória do cristianismo. Apesar das limitações citadas, pela primeira vez a fé cristã foi levada a todas as regiões do mundo, conforme o desejo expresso de Jesus.

O século 20 testemunhou uma grande mudança de perspectiva. À medida que se sucediam as décadas, as preocupações de ordem social cada vez mais passaram a se tornar prioritárias na agenda das igrejas do hemisfério Norte e de suas missões no hemisfério Sul. Os missionários que chegavam aos campos já não tinham como objetivo principal evangelizar no sentido clássico e plantar igrejas, mas dedicar-se a tarefas como criar escolas e hospitais, realizar projetos agrícolas, lutar pelos direitos dos operários e assim por diante. Na segunda metade do século 20, os interesses sociais e políticos de muitas igrejas históricas não só se tornaram cada vez mais definidores de seu conceito de missão, como também se ampliaram de maneira inusitada. Os recursos e as energias de muitas denominações se voltaram para causas como os movimentos de libertação nacional, desarmamento, direitos das mulheres e de minorias (grupos étnicos, homossexuais), reforma agrária, aborto etc., as assim chamadas “questões de justiça e paz”.

O “evangelho social” e a “teologia da libertação” foram dois movimentos muito influentes no sentido de subestimar o objetivo da conversão individual e priorizar a transformação das estruturas, a implantação do reino de Deus na terra, a redenção da sociedade. O problema dessa abordagem é a sua forte tendência secularizante. Muitos cristãos que se envolveram com as causas acima e outras, com frequência associados a pessoas sem convicções religiosas, acabaram por se afastar completamente da igreja e de um compromisso explícito com a fé cristã. Um bom exemplo desse fenômeno foi Samuel G. Inman (1877-1965), antigo secretário executivo do Comitê de Cooperação na América Latina, uma agência protestante norte-americana.

Qual o caminho a seguir? Em primeiro lugar, a missão cristã precisa ter um compromisso básico com a Escritura, com a fé bíblica, e não com a ciência, a filosofia, a política ou as ideologias humanas. Caso contrário, ela será tudo, menos missão “cristã”. Em segundo lugar, é preciso lembrar que a tarefa mais urgente e prioritária da igreja é o anúncio do evangelho, a mensagem de reconciliação com Deus por meio de Cristo. Outras instituições podem dedicar-se a atividades de promoção humana e defesa de direitos, mas se a igreja não pregar o evangelho redentor, ninguém mais o fará. Por último, não se trata de minimizar as questões sociais, mas de não considerá-las “a missão” da igreja. Se o evangelho for entendido em sua plena dimensão bíblica e teológica, ele incluirá outros interesses, mas sempre de maneira subsidiária e derivada, como entendeu o apóstolo dos gentios.

Um modo de conciliar essas alternativas é a proposta do teólogo reformado Michael Horton, segundo o qual a igreja, como instituição, deve se concentrar na pregação do evangelho, sua missão exclusiva e inescapável. Ao mesmo tempo, deve incentivar os seus membros para que, em caráter pessoal, também se envolvam com outros interesses coerentes com o evangelho, ilustrando assim o amor de Deus pelo ser humano integral. Uma vantagem dessa perspectiva é acentuar a ênfase dos reformadores do século 16, de que a verdadeira igreja não é meramente uma instituição, uma estrutura, mas o povo de Deus que o adora e o serve.

Texto de Alderi Souza de Matos. Doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil. É autor de A Caminhada Cristã na História e “Os Pioneiros Presbiterianos do Brasil”.

Publicado na Revista Ultimato (Edição 328 - jan/fev 2011).