domingo, 27 de janeiro de 2013

Espiritualidade egolátrica


Na espiritualidade ególatra, o sacerdote se confunde com a divindade. A egolatria não é o simples cuidado do indivíduo consigo mesmo. Cuidar de si mesmo, afinal, é uma virtude. Quando praticamos o cuidado conosco mesmos, aprendemos a amar mais as pessoas.

A egolatria não é também um sentimento de egoísmo. O indivíduo egoísta tem a expectativa de que todas as coisas e pessoas estejam em torno de seus interesses. Sem dúvida, isso é pecado; mas não é, ainda, um culto ao ego. Isso porque, enquanto o egoísta deseja que todas as coisas existam para atender seus interesses, o ególatra acredita que tem o poder para mover todas as coisas e pessoas em torno de si. A principal marca do ególatra é a cobiça, às vezes demonstrada por atitudes extremas. Tal sentimento foi muito bem exemplificado na proposta do diabo a Cristo: “Tudo isso te darei se, prostrado, me adorares.”

A egolatria é mais danosa do que a idolatria. E existe, lamentavelmente, uma espiritualidade ególatra, aquela que é caracterizada pela prática religiosa cujas celebrações e liturgias favorecem a promoção de personalidades.

Na idolatria, a divindade é inanimada; o ídolo não controla a situação. Já na egolatria, o ego-deus tem boca e fala; tem nariz e cheira; tem pés e anda. Ele tem uma inteligência cheia de artimanhas; em geral, possui carisma e cativa as massas. O ego-deus consegue passar a ideia de que foi o único dotado para uma missão especial – assim, possuiria poderes especiais, como uma capacidade mística de desvendar os mistérios escondidos no além e trazer revelações sobrenaturais.

Nas instituições caracterizadas pela egolatria, há a necessidade de intermediários entre os devotos e o divino. Por essa razão, os cargos e papéis espirituais são uma espécie de concessão do ego-deus a esses intermediários, sob a condição de trocas simbólicas e materiais. Diante de um ego-deus, todos os seguidores obedecem, sem o mínimo de discernimento. Qualquer atitude crítica é denunciada como rebeldia intolerável. A egolatria é marcada pela necessidade de promoção pessoal, vanglória e arrogância.

Os ególatras necessitam de títulos que os façam diferentes. Em se tratando da vocação pessoal, os dons e ministérios não representam habilidades para servir às pessoas; eles são, isso sim, títulos particulares, espécie de insígnias ostentadas como demonstração de poder e domínio. Nos ambientes marcados pela egolatria, títulos que, em si mesmos, em nada credenciam seus detentores como sobre-humanos – como pastor, padre, bispo, apóstolo –, assumem um significado de divinização de indivíduos em seus feudos religiosos e redes de submissão ao seu controle.

Na espiritualidade ególatra, o sacerdote se confunde com a divindade. O agente mágico e a divindade fundem-se numa só personalidade. Mas o ego-deus é materialista, possessivo, vingativo; seu discurso não glorifica ao único Deus, Senhor dos céus e da terra, mas favorece a própria dominação, estimula a vassalagem dos seguidores e legitima a dinâmica do poder. A legítima pregação bíblica é substituída por um discurso caracterizado por frases-feitas e palavras de ordem supostamente capazes de mover a mão divina, decretar a bênção e promover bem estar físico e material aos adeptos – normalmente, em troca dos chamados sacrifícios, quase sempre realizados através do dinheiro.

Se, numa determinada comunidade, as pessoas estão dando mais ênfase à experiência espiritual que isola, discrimina os de fora e põe os supostamente espiritualizados em pedestais, é bem provável que estejamos diante da espiritualidade egolátrica, e não do modelo proposto por Jesus Cristo. No Evangelho de Cristo, o que é aparentemente oculto é revelado aos pequeninos do seu Reino. As boas novas “escondidas” em Deus, de fato, estavam sempre presentes; todavia, os seres humanos sofisticados não compreenderam a singeleza dessa mensagem: a de que aos pobres e aos pequeninos é que foram reveladas as boas novas a respeito do Reino de Deus (Lucas 10.18-19). As “revelações” recebidas pelos poderosos dos empreendimentos religiosos não dizem respeito à mesma revelação anunciada pelo Filho de Deus aos pobres e pequeninos.

É muito importante que saibamos discernir entre a espiritualidade revelada por Jesus de Nazaré e aquela praticada nas ambiências egolátricas da cristandade brasileira.

Fonte: Texto de Carlos Queiroz para Revista Cristianismo Hoje. O conteúdo original está disponível em http://www.cristianismohoje.com.br/materia.php?k=848.

3 comentários:

  1. Como - no rebanho - a ovelha simples discernirá entre "a comunhão dos santos" e "panelinhas de santos"?

    Como saberei que percentual (da autoridade, no caso de ocupante de cargo eclesiástico; ou da influência, no caso de ovelha) que os que me cercam estão a receber de mim, consiste em mera manipulação (seja dolosa, seja bem intencionada) humana, e que percentagem é constituída por genuína misericórdia do Espírito de Deus?



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  2. Não havendo percebido esclarecimento que busco para algumas dúvidas minhas trazidas a este espaço, entendo que minha ignorância me impeça de navegá-lo, rogo as orações em meu favor, peço perdão ao Pr. Eliel e/ou assessoria do blog pelo tempo e espaço certamente desperdiçados (Deus sabe que tal coisa não foi meu propósito) com minha ingenuidade, e agradeço a oportunidade e atenção bondosa e pacientemente a mim dispensadas. A Paz do Senhor.

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  3. Prezado Ivo, me desculpe, mas não entendi qual esclarecimento foi trazido a este espaço. Se puder ser mais claro, fique a vontade. Se demorei para publicar seus comentários, me deculpe novamente, mas tenho dedicado pouco tempo ao blog, em virtude de diversos compromissos. Deus o abençoe. Eliel

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